Cidadão relega defesa do Meio Ambiente ao MP, diz Ada P. Grinover

em 30 June, 2009


 

A

 sociedade prefere recorrer ao Ministério Público quando se trata da defesa do Meio Ambiente, mas a opção não é reflexo da Lei de Ação Civil Pública, afirma a jurista Ada Pellegrini Grinover, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Segundo ela, as ONGs (organizações não governamentais) também são legitimadas para ajuizar uma ação civil pública ambiental, mas uma mentalidade individualista e pouco associativa no Brasil impede que o próprio cidadão parta para a ação.

Embora seja uma das idealizadoras da lei, Ada reconhece que é necessário mudar a legislação criada na década de 80, para permitir melhor tratamento às ações coletivas. Por essa razão, o Instituto Brasileiro de Direito Processual elaborou em 2007 um projeto para a criação de um Código de Processos Coletivos. Em 2009, ela também participou de uma comissão de juristas criada pelo Ministério da Justiça para redigir um anteprojeto deste código.

Para a jurista, o novo código trará mais efetividade para a Justiça coletiva, pois a prevalência das ações coletivas impedirá que o Judiciário fique “abarrotado” de processos individuais. Além disso, a medida evitará a existência de decisões contraditórias sobre uma mesma questão.

 

Favorável à tese de legitimidade da Defensoria Pública para propor a ação civil pública, Ada concedeu parecer nesse sentido, em uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) que discute essa legitimação.

 

Formada em Direito pela Faculdade de Direito, onde também fez seu mestrado e doutorado, atualmente Ada Grinover é diretora dos cursos de extensão e aperfeiçoamento da Escola Paulista de Direito. Pouco antes de o Poder Executivo encaminhar ao Congresso Nacional o projeto de lei do novo Código de Processos Coletivos, Ada Pellegrini Grinover recebeu o Observatório Eco, para essa entrevista. Confira os principais trechos a seguir:

 

u Observatório Eco: A Lei de Ação Civil Pública deu impulso para que o Ministério Público se tornasse o grande defensor do Meio Ambiente?

Ada P. Grinover: Não foi a lei. O problema foi que a sociedade civil não vestiu a camisa, porque ela é legitimada. As associações, as ONGs (organizações não governamentais) são legitimadas para a propositura de ações civis públicas, mas, ao invés de moverem a ação, preferem recorrer ao Ministério Público, que se organizou, se estruturou que tem uma boa maneira de operar. Por isso, há essa predominância enorme de processos movidos pelo MP. Isso não é por causa da lei, mas sim, por causa da mentalidade, ainda muito individualista e pouco associativa do Brasil.  

 

u Observatório Eco: Faltou empenho dos advogados em ajuizar essas demandas?

Ada P. Grinover: Sem dúvida, nós temos uma subutilização dos processos coletivos e ambientais. Na verdade, a única entidade que tinha essa iniciativa e agia era o Ministério Público. Agora, a Defensoria Pública, que é uma instituição nova, está se organizando, se estruturando, também começa a tomar a iniciativa em processos coletivos e no campo do Meio Ambiente. Mas a sociedade civil ainda não despertou, pois eles têm a legitimação, e poderiam perfeitamente ingressar com as ações. Faltou também aos escritórios de advogados um maior interesse para reunir grupos, por exemplo, e entrar com processos coletivos ambientais.

 

Por exemplo, nos EUA, quando há um dano ambiental que atinge muitos indivíduos, moradores de uma determinada região, lá são os escritórios, que comercialmente, formam o grupo e entram em juízo. E lá o escritório antecipa todas as despesas, aqui não há despesas, mas falta iniciativa. O que alguns escritórios fazem é constituir associações para poder ajuizar demandas, mas aí são mais aventuras, sem seriedade, do que efetivamente um envolvimento maior da sociedade, seja das associações, seja por escritórios nessa conquista que é a ação civil pública.

u Observatório Eco: Há no STF (Supremo Tribunal Federal) uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) pretendendo retirar, ou ao menos diminuir, a legitimidade da Defensoria Pública na ação civil pública. De que forma a senhora avalia esse tipo de resistência?

Ada P. Grinover: É uma mentalidade do Ministério Público não aceitando isso, e vem de longe, não são todos os membros. Quando fizemos o projeto da ação civil pública, que foi apresentado pelo deputado Michel Temer (PMDB), o MP paulista fez um substitutivo que andou mais depressa que o nosso projeto. A idéia deles, inicialmente, era de que o Ministério Público fosse o único órgão público legitimado para propor a ação civil pública. Depois, no Congresso, o relator, Abi-Ackel, reintroduziu a legitimação de outros órgãos. O Ministério Público queria o monopólio da ação civil pública. Eles tiraram, inclusive, as associações, depois, colocaram novamente as associações, mas tinham tirado a legitimidade de outros órgãos.

 

Essa idéia de senhor da ação civil pública, pelo Ministério Público, é muito antiga é dos anos 80. E agora que surgiu expressamente a legitimidade da Defensoria Pública, a Conamp, contra a opinião de muitos promotores e procuradores, que não concordam com essa linha, ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade. Eu dei um parecer “pro bono” para a Associação Nacional dos Defensores, sustentando a legitimação da Defensoria. O processo agora aguarda julgamento, a relatora é a ministra Carmem Lúcia.

 

u Observatório Eco: Em que consiste o novo Código de Processos Coletivos?   

Ada P. Grinover: O projeto de processos coletivos derivou de um anteprojeto que o Instituto Brasileiro de Direito Processual apresentou ao Ministério da Justiça, em dezembro de 2007. Trata-se de um novo um Código Brasileiro de Processos Coletivos, que revoga a lei de ação civil pública em vigor. Após a criação da ação civil pública e do Código de Defesa do Consumidor, na década de 80, verificamos que era necessário coordenar melhor os processos coletivos, pois alguns problemas surgiram da prática judiciária. 

 

u Observatório Eco: Por exemplo?

Ada P. Grinover: Verificou-se que a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil não é sempre eficaz. O código é de 1973 e foi elaborado tendo em vista os conflitos individuais e não coletivos. Por isso, há a necessidade de revisar os processos coletivos.

 

u Observatório Eco: E como evoluiu a proposta deste código?

Ada P. Grinover: Em 2009, o Ministério da Justiça, através da Secretaria de Reforma do Judiciário, convocou uma Comissão de juristas para elaborar um anteprojeto do código. Participei dessa comissão, pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual. Esse anteprojeto tem muito do projeto original feito em 2007, mas com algumas mudanças. O trabalho da Comissão terminou em março e foi enviado à Casa Civil, que também introduziu algumas modificações preocupantes. Durante a tramitação do projeto elaborado pelo Executivo no Congresso Nacional vamos discutir as modificações introduzidas.   

 

u Observatório Eco: Quais as novidades do novo código?

Ada P. Grinover: O código tem como grande foco a efetividade da Justiça coletiva. A reunião de processos para evitar decisões contraditórias, inovando nas técnicas do código de processo civil. Há sempre a preferência do processo coletivo em relação aos processos individuais, inclusive, com técnicas para sustar o andamento de processos individuais, salvo razões muito sérias que recomendem que o processo individual continue. Há milhares de ações iguais tramitando no Judiciário, por exemplo, em relação à previdência social, planos econômicos. O processo coletivo pode resolver tudo de uma vez por todas. A tônica desse anteprojeto é tornar mais efetiva a Justiça coletiva. De um lado temos a parte da efetividade, e de outro a prevalência das ações coletivas.  Assim, o Judiciário não fica abarrotado de processos individuais, e evitamos decisões contraditórias sobre o mesmo assunto.

 

u Observatório Eco: O TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) permanece no novo Código?

Ada P. Grinover: O anteprojeto dá grande força aos meios alternativos de solução de conflitos. Tanto durante o processo, em que se pode apresentar um projeto de cumprimento de obrigações, homologado pelo juiz, antes ou durante o processo coletivo. Há um capítulo expresso sobre meios alternativos, a conciliação, a transação, a mediação, projetos que sejam apresentados no âmbito ambiental, como por exemplo, de reflorestamento de uma área, de saneamento e outros.

 

No projeto dos processos coletivos colocamos a necessidade de criação de juízos e câmaras especializadas para julgar os processos coletivos.  É um dos princípios da lei. Os juízes que se especializam trabalham muito bem, é uma tendência.

 

u Observatório Eco: Há algum instrumento jurídico novo que esteja relacionado ao Meio Ambiente?

Ada P. Grinover: O Meio Ambiente continua sendo tutelado no novo código. Uma medida interessante, por exemplo, é que em qualquer processo coletivo, que tenha sido julgado, se pode com base em uma prova nova e científica superveniente, no prazo de um ano, a partir do conhecimento dessa descoberta científica, se propor uma nova demanda, uma ação revisional.

 

Por exemplo, na época em que a ação foi julgada se decidiu com base nas provas que determinado produto não era nocivo. Mas depois ficou provado, por nova prova técnica superveniente, que o produto é nocivo. Nessa situação o código prevê a possibilidade de ajuizar uma a ação revisional.

Como por exemplo, no caso do teste de teste de DNA que foi descoberto depois do reconhecimento de paternidade. Nessas situações a Justiça tem aplicado ações revisionais para comprovar a existência de paternidade.




2 Comentarios

  1. Alcino Oliveira de Moraes, 14 anos atrás

    Boa noite.
    Sou promotor de justiça de defesa do consumidor em Macapá-AP há mais de dezessete anos, já tendo atuado também na defesa do meio-ambiente, patrimônio público e cultural. Por isso, sei bem do enorme peso de responsabilidade que paira sobre nossos ombros, ante a omissão individual da sociedade e dos outros legitimados. Sempre preguei que defesa do consumidor não admite monopólio, pois nenhum órgão consegue significativa vitória agindo isoladamente. O mesmo vale em relação à defesa do meio-ambiente. Quanto mais legitimados tivermos, tanto melhor.
    Entretanto, faço algumas considerações a respeito da matéria veiculada na entrevista com a ilustre Professora Dra. Ada Grinover.
    Em primeiro lugar, quando respondeu à primeira pergunta, sobre a atuação quase que isolada do MP na defesa do meio-ambiente, como seu grande defensor, sustentou que não foi a LAP que deu esse grande impulso, dizendo: “Não foi a lei. O problema foi que a sociedade civil não vestiu a camisa, porque ela é legitimada…”
    Também acredito que esse tenha sido um dos motivos, mas não o único. Ou seja, não foi só por causa da Lei da Ação Civil Pública e nem decorreu só do fato da sociedade civil não ter vestido a camisa. Existiu um conjunto de fatores que também contribuíram para isso, podendo citar, como exemplo, a abertura democrática, a atuação da mídia de uma forma mais livre, a omissão do poder público (em qualquer esfera) em resolver situações relativas à questão bem como a renitência em atender não só as determinações legais como as inúmeras recomendações que são expedidas pelo MP País a fora. Esse conjunto de fatores acabou por buscar escora na Instituição que tinha e tem condições de enfrentar com isenção o poder econômico, resultando na credibilidade da sociedade na atuação do Ministério Público brasileiro, o qual tem sido exemplo para outras sociedades, inclusive ditas mais desenvolvidas.
    Outra situação que poderá gerar algum tipo de conflito é a produção das provas para a propositura de ACP pelas Defensorias Públicas e demais legitimados, ficando a pergunta: poderão eles instaurar inquéritos civis públicos para apurar os fatos? A resposta negativa é dada pelo art. 53 do anteprojeto, o qual afirma a exclusividade do MP para instaurá-lo. Mas esse engessamento não causaria algum transtorno em relação à celeridade processual? Teriam os demais legitimados que pré-constituir a prova por outros meios processuais ou solicitar sempre ao juiz que as requisite? Pois é claro que não terão sempre as condições ideais de produzir a prova, ou seja, nem sempre terão como ingressar com as ACP’s devidamente sustentadas pelas provas exigidas para cada situação. Não seria o caso então de se criar algum tipo de mecanismo para facilitar a produção antecipada dessas provas? Talvez uma espécie de assistência ao MP, indicando quais provas que produzir. Teríamos aí também atendida a facilitação da defesa dos interesses que se quer proteger, inclusive a rápida decisão judicial, pois a produção das provas não seria a causa da demora da providência jurisdicional.
    Mas, independente de quantos legitimados sejam incluídos no rol do anteprojeto, sabemos que sempre restará ao MP comprar a briga contra os poderosos, pois não serão poucas as vezes em que poderemos nos deparar com interesses políticos dos governos contrários à atuação das defensorias públicas, por exemplo. Também a OAB tem sido omissa quanto às inúmeras possibilidades de ação que já poderia ter intentado. O tempo dirá o certo.

  2. Roseli, 14 anos atrás

    OLá Alcino,
    Obrigada pelo seu comentário. Sem dúvida você coloca o outro lado da questão. Vamos debater mais esse assunto.

    Roseli


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