Falta punição para quem desmata, diz Malu Nunes

em 21 July, 2009


O

 maior problema não é a inadequação da legislação, mas a falta de implementação, cumprimento, fiscalização e sanções aos infratores. A opinião é de Malu Nunes, engenheira florestal e diretora executiva da “Fundação O Boticário de Proteção à Natureza”.

 

Formada em 1983, pela Universidade Federal do Paraná, Malu Nunes defende o Código Florestal e afirma que não podemos ficar na contramão da história e buscar mecanismos para “legalizar a devastação de nossas florestas”. Para ela, a revisão que tramita no Congresso Nacional prevê alterações que “abrem espaço para aumentar a degradação ao meio ambiente”.

 

Segundo ela, que fez especialização em Manejo de Áreas Protegidas na Universidade do Colorado (EUA), em 1992, o Brasil tem condições de ser protagonista e modelo em termos de conservação. Contudo, ela ressalta que o país é o quinto maior emissor de gases do efeito estufa por conta do desmatamento e das queimadas. Em sua avaliação, a conservação de nossas florestas precisa ser vista como uma “prioridade” pelo nosso governo.  

 

Sobre o Poder Judiciário, Malu, que atua na Fundação O Boticário há mais de dezoito anos, ressalta a importância do juiz especializado em Direito Ambiental, que adquire “maior discernimento para julgar questões ambientais conflitantes”, o que contribui para decisões mais consistentes.

 

Na área de preservação do meio ambiente, entre vários projetos que tramitam na Câmara Federal, ela aposta no imposto de renda ecológico, que pode ter um efeito positivo “na participação do setor privado na conservação dos recursos naturais”. Veja a entrevista que Malu Nunes concedeu, ao Observatório Eco, com exclusividade.  

 

 

u Observatório Eco: Temos uma vasta legislação de proteção das florestas, na prática, qual lei você considera mais adequada?

 

Malu Nunes: Temos uma legislação bastante adequada e que é referência para outros países. O maior problema não é a inadequação da legislação, mas a falta de implementação, cumprimento, fiscalização e sanções aos infratores. Quem não cumpre a legislação não é punido. Quem não preserva não é quem paga pelos danos decorrentes do uso insustentável de nosso patrimônio natural. Toda a sociedade compartilha estes danos arcando em seu dia-a-dia com os efeitos das mudanças climáticas, da escassez de água e dos riscos de uma economia abalada pela destruição.

 

 

u Observatório Eco: O Código Florestal precisa ser revisto, em sua opinião?

 

Malu Nunes: A necessidade não é de revisão, mas sim de fiscalização para que seja cumprido. O Código Florestal é bastante completo. Claro que foi elaborado em outra época e realidade, mas isto é o que acontece com todos os códigos, não é mesmo? Em sua essência, os códigos de um modo geral continuam válidos e sendo apoiados por legislações complementares que dão conta das especificidades.

 

Eu apoiaria apenas uma revisão do código que visasse e garantisse de fato a conservação das florestas e de seus serviços ambientais, dos quais não temos noção do valor real, porque não os remuneramos, apesar de dependermos totalmente deles.

 

A revisão que está em curso prevê alterações que abrem espaço para aumentar a degradação ao meio ambiente. No mundo, já se entende e se aceita que é urgente e prioritário para nossa segurança discutir e implementar ações para evitar a destruição e controlar a evolução das mudanças climáticas, bem como se cobra dos países compromissos concretos em relação a sua biodiversidade. Não podemos andar na contramão, discutindo e criando meios de legalizar a devastação de nossas florestas.

 

u Observatório Eco: O novo Código Ambiental catarinense tem várias regras polêmicas, uma delas é a redução de proteção de áreas próximas às nascentes.  Como conciliar a proteção das nascentes e a necessidade de mais áreas para cultivo, por exemplo, numa área pequena?  

 

Malu Nunes: O Código Ambiental aprovado em Santa Catarina é inconstitucional, pois contraria a legislação federal, o Código Florestal. A redução de Áreas de Preservação Permanente (APPs) traz grandes prejuízos ambientais e pode contribuir para intensificar os efeitos negativos das mudanças climáticas.  A tendência é que ocorram com mais freqüência eventos climáticos extremos, como  temperaturas mais elevadas que o normal, secas fora de época e em regiões sem esta característica, excesso de chuvas, tragédias naturais, ciclones e furacões extratropicais.

 

Santa Catarina é um dos estados brasileiros mais atingidos por essas intempéries, como a tragédia que levou o governo estadual a decretar calamidade pública e deixou milhares de pessoas desabrigadas no final do ano passado. Quanto mais bem conservados estiverem os ambientes naturais, maior será a probabilidade de adaptação a essas mudanças climáticas.

  

Uma alternativa para conciliar a proteção ao meio ambiente e crescimento econômico é pagamento por serviços ecossistêmicos ou ambientais, ou seja, premiar financeiramente  quem conserva. Hoje, os proprietários que protegem suas áreas não ganham nada com isso. 

 

Estudos demonstram que ainda há muita área agricultável no país, sem que seja necessária a devastação de áreas preservadas.  Além disso, para ampliar a produtividade das propriedades rurais existem alternativas como promover melhorias no material genético e nas práticas de manejo, agregar valor ao produto e rever a cadeia de valor, que contribuem para o aumento da produção e do lucro.

 

u Observatório Eco: Qual a sua avaliação da política nacional de Meio Ambiente no Brasil?

 

Malu Nunes: O Brasil tem uma Política Nacional de Meio Ambiente, mas, como outras, no país, faltam cumprimento. Além disso, o que se percebe é que a conservação não está incluída nas prioridades e metas do atual governo, pelo menos não na proporção necessária ao cenário atual. 

 

O Brasil tem condições de ser protagonista e modelo em termos de conservação, mas em vez disso, é hoje o quinto maior emissor de gases do efeito estufa por conta do desmatamento e das queimadas. Portanto, é necessário que a conservação seja tratada como prioridade.

 

Hoje, o mundo tem informação sobre as conseqüências de ignorar esta conservação, não é mais aceitável a falta de ação. Com as informações e cenário de crise climática que temos, não se trata mais de ser possível ou fácil para um país crescer com sustentabilidade, trata-se de condição indispensável para ter uma economia forte, ter água e alimento para os cidadãos e para a manutenção da paz.

 

u Observatório Eco: Como é o seu trabalho na Fundação O Boticário?

 

Malu Nunes: É um desafio permanente e de longo prazo. Hoje, a necessidade de conservação do meio ambiente para a manutenção da vida na Terra é unânime e urgente, mas nem sempre foi assim.  

 

O trabalho da Fundação O Boticário é essencialmente voltado para ações que contribuam para a conservação da natureza brasileira, com ações próprias e por meio do apoio a projetos de outras instituições. A Fundação mantém duas unidades de conservação, a Reserva Natural Salto Morato, na Mata Atlântica; e a Reserva Natural Serra do Tombador, no Cerrado; respectivamente os dois biomas mais ameaçados do país.

 

Outra iniciativa é o Projeto Oásis, que premia financeiramente proprietários de terra que conservam áreas de mananciais na região metropolitana de São Paulo. Além disso, atuamos na disseminação de conhecimento. Uma de nossas ações neste sentido é o Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, que este ano acontece em Curitiba, de 20 a 24 de setembro, e está na sexta edição.

 

u Observatório Eco: Qual a sua percepção da atuação do Judiciário nas questões ambientais?

 

Malu Nunes: Assim como o Ministério Público, o Poder Judiciário tem tido posições importantes para as questões ambientais, apesar de lidar com demandas complexas e estrutura desproporcional. Isso não quer dizer que todas as questões chegam ao fim rapidamente ou que sejam sistematicamente produzidas sentenças a favor do meio ambiente.

 

Como as questões ambientais são específicas e, muitas vezes, complexas, acredito que a especialização em Direito Ambiental, ou pelo menos o conhecimento básico no assunto, é uma forma de se facilitar a atuação do Judiciário. O juiz especializado adquire conhecimentos mais profundos, maior discernimento para julgar questões ambientais conflitantes e decide com mais consistência.

 

u Observatório Eco: De que maneira a evolução da nossa legislação tem contribuído para a solução dos problemas ambientais, tais como, poluição, desmatamento, tráfico de animais?

 

Malu Nunes: A nossa legislação é uma das melhores e mais completas, mas somente seu entendimento, respeito e aplicação é que produzirá efeito sobre estes temas e seus impactos.

 

u Observatório Eco: A lei de educação ambiental completou 10 anos, qual a grande medida que o governo precisa implementar para o cidadão passar a valorizar a Natureza?

 

Malu Nunes: Precisa demonstrar com atitudes que quer mesmo compatibilizar a conservação com o desenvolvimento. Educação ambiental apenas como teoria tem pouco efeito no cidadão, além de proporcionar uma educação básica sobre não jogar lixo na rua e reciclar. A valorização da natureza virá de uma política e regulamentação voltadas para a efetiva conservação da natureza.

 

u Observatório Eco: Qual a legislação mais adequada que precisa ser feita para regular o mercado e garantir a preservação dos recursos naturais?

 

Malu Nunes: Existem propostas como o Imposto de Renda (IR) Ecológico, que está tramitando na Câmara dos Deputados, e  que podem ter efeitos positivos na participação do setor privado na conservação dos recursos naturais.

 

O IR Ecológico é uma ação de estímulos fiscais que tem como objetivo financiar projetos ambientais. O projeto prevê que pessoas físicas poderão deduzir até 80% do valor das doações e 60% dos patrocínios dirigidos a projetos ambientais previamente aprovados pelo poder público, até o limite de 6% do imposto de renda (IR) devido.

 

No caso de pessoas jurídicas, poderão ser deduzidos até 40% do valor das doações e 30% dos patrocínios, respeitado o limite de 4% do IR. Se aprovado, o IR ecológico seria um incentivo positivo para o apoio da sociedade ao meio ambiente.

 

u Observatório Eco: Em razão do seu trabalho você tem contato com as lideranças do agronegócio, afinal, eles realmente não percebem que já existe um esgotamento dos nossos recursos?

 

Malu Nunes: A Fundação O Boticário atua na proteção da biodiversidade e não na militância contra este ou aquele grupo, por isso nosso contato é maior com os líderes de conservação no país. Temos evoluído no país em termos de informação sobre as conseqüências das ações de quem não preserva a natureza e como elas atingem toda a sociedade. Por outro lado, não vejo esta percepção consolidada ainda, a ponto de gerar pressão suficiente para grandes mudanças.

 

u Observatório Eco: Qual o argumento mais forte, aquele que seja capaz de mudar a consciência de alguém que pratica o desmatamento, polui o planeta?

 

Malu Nunes: Os argumentos e relatórios dos conhecedores das mudanças climáticas estão postos, nós temos que nos preparar para este cenário. Temos que nos organizar para minimizar os efeitos das mudanças climáticas se quisermos manter a nossa sobrevivência. Precisamos de metas mais ousadas do que as atuais. 

 

O Grupo do G8, reunido na Itália, concordou em limitar o aquecimento global em dois graus Celsius e cortar as emissões de gases do efeito estufa em 80%.  Essa definição, no entanto, é para ser efetivada a longo prazo e só terá efeito se vier acompanhada de um plano de redução concreto, metas claras e o apoio dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento na busca desta adaptação. 

 

 

 

u Observatório Eco: Com relação à gestão dos resíduos, o empresário busca sempre colocar a responsabilidade do consumidor final em primeiro lugar, afirmando que cabe a este assumir a responsabilidade pelo lixo, afinal como você considera essa postura?  

 

Malu Nunes: No Brasil, este tema ainda não está suficientemente estruturado e a situação é muito heterogênea nas diferentes cidades, impossibilitando uma solução rápida e simples para o problema. A solução para o lixo que geramos passa por um esforço conjunto, de governo, de geradores de resíduos e de consumidores que tem dois papéis, o de cuidar de sua parte neste processo e também o de cobrar alternativas sustentáveis de toda a cadeia produtiva.

 

 

Conheça mais sobre o trabalho desenvolvido pela Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, clicando aqui.

 

Fotografia: Créditos, Marcos Campos.




2 Comentarios

  1. Márcia, 13 anos atrás

    Boa noite,
    sou estudante do curso de engenharia florestal(UFMG),
    gostei da entrevista, a Malu falou muito bem.
    Gostaria que me passassem o e-mail da Malu.
    Att


Deixe um comentário