Fortalecer o Código Florestal é mais importante

em 18 May, 2010


Assim como toda lei setorial existente no Brasil, a legislação florestal também precisa ser atualizada paulatinamente, considerando as mudanças socioeconômicas regionais. Contudo, “neste momento, mais importante que reformar o Código Florestal é fortalecer sua aplicação”, defende Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray, presidente do festejado “Instituto pelo Direito a um Planeta Verde”, que surgiu na década de 90, e reúne em sua maioria, magistrados, advogados, promotores de justiça e demais operadores do Direito preocupados e atuantes na defesa do meio ambiente.

Na opinião de Teodoro Irigaray, o Brasil vive um período tenso em que as discussões no Congresso Nacional relacionadas à reforma do Código Florestal, visam  “desconstruir as bases da proteção legal do meio ambiente em nosso país”. Para o especialista, “os ataques orquestrados ocorrem tanto na esfera estadual, como federal”. “Fazendo da reforma do Código Florestal uma bandeira irresponsável para aqueles que simplesmente desejam fomentar a expansão do desmatamento, sobretudo na Amazônia e no cerrado brasileiro”, afirma.  

Contudo, ele admite que a responsabilidade relacionada á degradação ambiental não seja apenas do governo, pois a proteção do meio ambiente deve envolver também a sociedade. Trata-se do exercício da cidadania ambiental. “Estamos em um momento em que ter boas-maneiras no trato com o ambiente não é suficiente”, alerta Irigaray.

Teodoro Irigaray é procurador do Estado de Mato Grosso desde 1984 e professor de direito ambiental na Universidade Federal de Mato Grosso. À frente do Planeta Verde, o presidente pretende fortalecer a atuação do Instituto em defesa da Amazônia e se aproximar das instituições de ensino e pesquisa que trabalham em prol dos direitos indígenas e do meio ambiente.  

Com mestrado e doutorado, o especialista em suas teses já tratou da gestão sustentável dos recursos hídricos e abordou o tema da constitucionalização do direito ambiental no Brasil. Atualmente é pós-doutorando em direito ambiental na Universidade da Flórida (Estados Unidos).

Ele alerta que o Brasil, um país com dimensão continental e tantas riquezas ambientais, “merece uma política com mais consistência”. Veja a íntegra da entrevista, que Teodoro Irigaray concedeu ao Observatório Eco com exclusividade, às vésperas do Instituto Planeta Verde realizar seu tradicional Congresso de Direito Ambiental em São Paulo.  

 

Observatório Eco: Em sua opinião, o atual Código Florestal merece ser reformado? Em quais aspectos e por quê?

Teodoro Irigaray: Assim como toda a legislação setorial existente no país, a legislação florestal também precisa ser atualizada paulatinamente, considerando as mudanças socioeconômicas regionais.

Alguns pontos em minha opinião podem ser aprimorados, como o sistema de compensação para passivos de reserva legal, que precisa ser ajustado para contemplar incentivos à recomposição ou regeneração da reserva legal e também à instituição de servidões florestais nas propriedades que possuem ativos florestais.

Além desses aspectos, existem outros que podem ser aprimorados, porém, considero que neste momento, mais importante que reformar o Código é fortalecer sua aplicação. Apesar da queda verificada nas taxas de desmatamento, ainda na gestão Marina da Silva, os dados ainda são alarmantes e mostram uma clara tendência de crescimento, que precisa ser enfrentada prioritariamente e isso deve ser feito também em respeito aos que cumprem a lei.

Observatório Eco: As alterações discutidas na Câmara Federal, de que forma podem prejudicar a preservação do meio ambiente?

Teodoro Irigaray: Assistimos com temor e indignação o movimento para desconstruir as bases da proteção legal do meio ambiente em nosso país. Os ataques orquestrados ocorrem tanto na esfera estadual, como federal, fazendo da “reforma” do Código Florestal uma bandeira irresponsável para aqueles que simplesmente desejam fomentar a expansão do desmatamento, sobretudo na Amazônia e no cerrado brasileiro.

Na fronteira agrícola esse movimento é sentido como um aval para a burla da lei, pois a promessa é de anistia irrestrita e revisão de institutos já consagrados e relevantes como a reserva legal e as áreas de preservação permanente.

Infelizmente esse ataque não se limita ao Código Florestal, mas visa atingir a todos os instrumentos da política ambiental, como o licenciamento, o zoneamento ambiental, entre outros, numa clara afronta ao princípio da vedação de retrocesso que vigora na área ambiental.

Sem uma ampla mobilização da sociedade civil esses retrocessos podem acontecer e prejudicar gravemente o meio ambiente, mesmo que o Judiciário os invalide posteriormente.

Observatório Eco: Uma das bandeiras daqueles que defendem a mudança do Código Florestal é a falta de lei que regule a prestação dos serviços ambientais. De que maneira o senhor analisa essa questão?

Teodoro Irigaray: Os pretextos variam de acordo com a platéia. Não há dúvida que os instrumentos econômicos que envolvem o pagamento por serviços ecológicos, como o REDD (sigla em inglês para Emissões Reduzidas por Desmatamento e Degradação florestal), por exemplo, são relevantes e precisam ser normatizados na esfera federal e estadual, mas é preciso ficar claro que os instrumento econômicos constituem apenas uma alternativa complementar a uma política de comando-e-controle que deve ser eficaz.

Na Costa Rica, por exemplo, um Programa de Pagamento por Serviços Ambientais permitiu a ampliação de 31%  para 52%  no percentual de cobertura florestal no país, nos últimos trinta anos, mas é importante assinalar que esse programa foi complementado por um conjunto de medidas políticas de incentivos e controle incluindo a proibição do desmatamento e mudanças na rentabilidade da pecuária.

Observatório Eco: A Reserva Legal tem sido muito combatida, principalmente, pelos agricultores e pecuaristas, há um caminho para conciliar o crescimento destas atividades e a preservação do meio ambiente?  Falta bom senso nessa discussão?

Teodoro Irigaray: Falta bom senso e em alguns casos sobra má-fé. A exigência da proteção de uma fração da propriedade rural já estava prevista na primeira versão do Código Florestal, de 1934, segundo o qual nenhum proprietário de matas cobertas poderia abater mais de três partes da vegetação existente.

Apesar da importância dessa regra para a proteção da biodiversidade e abrigo para a fauna, muitos proprietários desafiam a lei e aproveitam a fraqueza dos órgãos ambientais apostando no imediatismo, demonstrando com isso que falta bom senso.

Felizmente existem muitos proprietários que exploram sua área e cumprem rigorosamente a lei, o que demonstra que a lei não inviabiliza a utilização econômica da propriedade.

Sobra má-fé quando pseudo-pesquisadores argumentam que a reserva legal impede a produção ou ainda que a expansão da agricultura e pecuária no país está limitada pela extensão das áreas protegidas.

Na verdade temos espaço para triplicar a produção com desmatamento zero, basta investimentos na recuperação áreas degradadas e no aumento da produção em áreas sub-exploradas, em outras palavras falta apenas vontade política.

Além disso, é preciso deixar claro que as áreas de reserva legal também podem ser exploradas economicamente, desde que sem corte raso.

Observatório Eco: Embora exista uma infinidade de leis protetivas em relação o meio ambiente, a prática do desmatamento persiste. O tráfico de animais persiste. De quem é a falha por essa situação? Como resolver esses problemas?

Teodoro Irigaray: Seria mais cômodo culpar o governo e ele realmente tem culpa. O orçamento do órgão federal e dos órgãos estaduais no Brasil é vergonhoso.

Um país com dimensão continental e tantas riquezas ambientais, merece uma política com mais consistência. Sem infra-estrutura e pessoal os governos fazem de conta que cuidam do meio ambiente e os servidores que realmente desejam cumprir seu dever sentem-se de mãos atadas.

Contudo, a responsabilidade não é apenas do governo, pois a proteção do meio ambiente deve envolver também a sociedade. É uma questão de cidadania. Estamos em um momento em que ter boas-maneiras no trato com o ambiente  não é suficiente. Temos que romper com o individualismo e exercer a cidadania, participando mais ativamente da formulação e aplicação de políticas públicas ambientais. Existem muitas entidades que fazem um trabalho sério e dão importante contribuição pró-ambiente. Cada um pode dar sua contribuição. Só não vale se omitir.

Observatório Eco: A exploração sustentável das florestas está cada vez mais em voga. Porém essa tendência não afasta a necessidade de máxima proteção dessas riquezas florestais?

Teodoro Irigaray: Os avanços acontecem em toda parte, mas o risco é também cada vez maior. Embora estejamos a caminho de uma transição para uma economia de baixo carbono, com mais sustentabilidade, existem setores retrógrados que ignoram os sinais da natureza e apostam em práticas econômicas predatórias, onde os lucros são privatizados e os prejuízos socializados.

Enquanto o mundo todo se desperta para a necessidade de proteger o meio ambiente, não podemos nos dar ao luxo de jogar pelo ralo, em proveito de poucos, o patrimônio que ainda temos.

A contenção do desmatamento deve ser uma prioridade no Brasil. É inaceitável que continuemos desmatando quase dois mil hectares por dia. Novas áreas protegidas devem ser criadas, inclusive aquelas que permitem o uso sustentável, mas é importante que o Governo faça investimentos também na regularização das unidades de conservação já criadas.

Observatório Eco: Conte-nos um pouco, por favor, do seu trabalho na direção do Instituto por um Planeta Verde e de sua carreira.

Teodoro Irigaray: Nasci e fui criado próximo às nascentes do majestoso Araguaia onde banhei minha infância e juventude. Isso contribuiu para despertar em mim a consciência de respeito ao meio ambiente e de compromisso com a luta em prol da qualidade de vida e da dignidade do ser humano. Iniciei jovem a militância ecológica, integrando-me à AME-MT que foi uma das entidades ambientalistas pioneira no Centro-Oeste. Sou Procurador do Estado de Mato Grosso e professor na Faculdade de Direito da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), com pós-doutoramento na área do direito ambiental na Universidade da Flórida.  

Ao aceitar o convite para presidir o Planeta Verde, o fiz com o objetivo de fortalecer a atuação do Instituto em defesa da Amazônia e sua integração com as instituições de ensino e pesquisa que trabalham em prol dos direitos indígenas e do meio ambiente.

Atualmente, o Planeta Verde desenvolve um excelente trabalho nos países amazônicos tendo como tema o direito e as mudanças climáticas.  

Além disso, neste mês de maio (23 a 26) estaremos realizando o mais tradicional evento de Direito Ambiental da América Latina, que envolve uma seqüência de congressos incluindo o XV Congresso Brasileiro de Direito Ambiental, o XIV Congresso Internacional de Direito Ambiental, o V Congresso de Direito Ambiental dos Países de Língua Portuguesa a Espanhola, e o V Congresso de estudantes de Direito Ambiental. Esses eventos reúnem centenas de profissionais que atuam com o direito ambiental, incluindo juízes, promotores, procuradores, advogados e estudantes.

Temas como mudanças climáticas, proteção da biodiversidade e acesso à justiça serão tratados por profissionais de alto nível. Adicionalmente neste ano, pela primeira vez estaremos fazendo a transmissão simultânea desses Congressos através da internet, visando alcançar os profissionais que não podem se deslocar até São Paulo. Os Promotores de Justiça que trabalham na área ambiental nos Estados amazônicos terão isenção da inscrição para assistirem os Congressos pela internet.

 

Para conhecer mais o Projeto Mudanças Climáticas, clique aqui.

Para saber mais sobre o Congresso de Direito Ambiental, clique aqui.




1 Comentário

  1. Salvador Benevides, 13 anos atrás

    O nosso amigo Teodoro tem razão em alguns pontos, se não todos, entretanto, como servidor publico na area ambiental, eng. florestal, entendo que essa sociedade que não participa, não dá de si, é a mesma que produz os gestores publicos, que não dão de si, na sua missão de aplicar a Lei. A sociedade não dá de si talvez porque é tomada demais pelo Estado, Estado que não funciona, logo, não dar de si é uma forma de praticar o lema “eu pago meus impostos, não tenho que fazer mais nada”.


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