AGU e o fortalecimento da licitação sustentável

em 30 July, 2010


O desafio de implantar a Agenda Ambiental na administração pública surge também na busca por produtos e serviços que propiciem maior economia dos recursos naturais. Por isso, a licitação sustentável se revela um mecanismo primordial, que é aprimorado e foco de atenção constante da Advocacia-Geral da União, conforme revela a advogada da União, Teresa Villac Pinheiro Barki, que integra a Comissão Gestora Nacional da A3P na instituição.

Segundo a especialista, a Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima, lei 12.187/09, traz importante disposição sobre o tema “prevendo o estabelecimento de critérios de preferência nas licitações para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos”.

A licitação sustentável não se preocupa apenas com a aquisição de produtos ou serviços, mas também com a destinação adequada dos resíduos produzidos pelas atividades da administração pública, todo esse processo acaba contribuindo para a revisão dos padrões de consumo e estimulando a educação ambiental. 

“Um dos grandes desafios da A3P é a introdução de uma nova cultura administrativa, para que os servidores insiram a variável ambiental em suas ações cotidianas, cientes da importância de exercerem, na esfera pública e dentro das suas esferas de atribuições, a cidadania ambiental”, explica a advogada da União.

Atualmente ela é coordenadora do grupo de estudos de direito ambiental da Escola da AGU em São Paulo. Teresa Villac Pinheiro Barki, em entrevista exclusiva ao Observatório Eco, ressalta que implantar a licitação sustentável também depende da capacitação de gestores e administradores públicos e de assessoramento jurídico ambiental, ou seja, que o advogado público faça a análise da legalidade da licitação e avalie a legislação ambiental que se aplica a cada situação.   Veja a íntegra da entrevista.

 

Observatório Eco: No que consiste a Agenda A3P? Qual o desafio de implantá-la na administração pública?

Teresa Villac Pinheiro Barki: A A3P é um programa do Ministério do Meio Ambiente que objetiva implementar ações de responsabilidade socioambiental na Administração Pública. A Advocacia Geral da União aderiu ao programa, por termo de adesão assinado com o Ministério do Meio Ambiente em 2008 e existe uma Comissão Gestora Nacional na instituição, composta por servidores e advogados públicos, além de previstas subcomissões por regiões, já implantadas em Brasília, Recife, São Paulo e Porto Alegre, com ações locais.

Alguns de seus principais objetivos são sensibilizar os gestores públicos para as questões socioambientais, promover a economia de recursos naturais, reduzir os resíduos gerados, além de promover sua adequada destinação através da coleta seletiva solidária prevista no Decreto 5.940/06, bem como contribuir para a revisão dos padrões de consumo, com as licitações sustentáveis, tudo isto com ênfase na educação ambiental.

Um dos grandes desafios da A3P é introdução de uma nova cultura administrativa, para que os servidores insiram a variável ambiental em suas ações cotidianas, cientes da importância de exercerem, na esfera pública e dentro das suas esferas de atribuições, a cidadania ambiental.

Observatório Eco: A lei de licitações está adequada para a aquisição dos produtos verdes? Ou precisa de alterações? Dê exemplos, por favor.

Teresa Villac Pinheiro Barki: Sim, as licitações sustentáveis são constitucionais e legais e nosso ordenamento jurídico já possibilita sejam realizadas sem necessidade de alteração legislativa. Pela minha observação na Comissão A3P da AGU, em contato com outros órgãos e unidades federativas, pude perceber que as licitações sustentáveis não são novidade, elas já ocorrem, só que sem esta denominação. 

Sua viabilidade jurídica decorre dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro em prol do desenvolvimento e do consumo sustentáveis, em consonância com a Constituição Federal e a legislação federal, interpretadas sistemicamente. 

É fundamental frisar que uma contratação sustentável não pode se afastar dos critérios objetivos na descrição do objeto licitado e de julgamento, a fim de não violar a isonomia entre os licitantes e a competitividade. Neste sentido, a justificativa na aquisição é crucial.

Recentemente, a Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima, lei 12.187/09, trouxe importante disposição sobre o tema em seu artigo 6, inciso XII,  prevendo o estabelecimento de critérios de preferência nas licitações para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos.

É um passo importantíssimo no avanço das licitações sustentáveis no Brasil que, em 1992, já havia se comprometido internacionalmente com a redução e eliminação de padrões insustentáveis de produção e consumo (Declaração do Rio) e com a promoção de políticas de aquisição pública que incentivem o desenvolvimento de bens e serviços racionais do ponto de vista ambiental (Johanesburgo – 2002).

É bom lembrar que uma licitação sustentável deve considerar também a destinação final do bem adquirido, como por exemplo, pilhas e baterias, ou ainda, os resíduos produzidos em decorrência de uma obra de engenharia ou nos serviços de saúde. Existem diversas normatizações sobre o tema que devem ser consideradas na elaboração de um edital e no contrato, com obrigações à empresa que será contratada.

Observatório Eco: Assim, na licitação a justificativa para a aquisição de um produto ou serviço é um aspecto fundamental?

Teresa Villac Pinheiro Barki: A justificativa é importante em toda contratação porque todas as decisões administrativas devem ser motivadas. É uma garantia para o cidadão de que aquele ato é impessoal, moral, probo e legal. 

Além disso, é uma exigência específica da lei de licitações, para que se comprove a necessidade e adequação do que se contrata à finalidade pública pretendida.

No que se refere à justificativa para a aquisição de um bem sustentável, isto se reforça porque o gestor público deve ter ciência de que pode haver impugnação ou questionamento judicial sobre a sua opção, alegando-se, por exemplo, que ela restringe a competição. Assim, deve estar preparado bem instruindo o processo licitatório, não se esquecendo também que todos seus atos são objeto de controle interno e externo. E neste aspecto, contará com o apoio do assessoramento jurídico prévio. O gestor público deve efetuar uma pesquisa de mercado, justificar com detalhamento o seu ato, inserindo inclusive uma motivação de cunho constitucional, ressaltando o dever do Estado na preservação ambiental e que ela é um dos princípios da nossa ordem econômica.

Observatório Eco: Na implantação das compras sustentáveis, qual o caminho quando não há, por exemplo, fornecedores para determinado produto ou serviço?

Teresa Villac Pinheiro Barki: Esta é realmente uma limitação. Eu diria que, nesses casos nos quais não há fornecedores para um determinado bem ou serviço com características mais sustentáveis, se a contratação for realmente necessária para a Administração e não houver outra alternativa, ela deve ser efetivada porque a contratação de bens e serviços é um meio para que os serviços públicos  sejam prestados.  Não consigo, de imediato, lembrar de uma situação como a mencionada, já que existem diversas regulamentações ambientais disciplinando tanto o processo produtivo como o descarte dos mais diversos bens.

O que ocorre é que muitas destas regulamentações não são utilizadas nas contratações públicas. E isto tem que mudar, um dos caminhos é o assessoramento jurídico ambiental, ou seja, que o advogado público ao analisar a legalidade de uma licitação também se atenha à legislação ambiental que se aplica àquela situação. Assim quando a licitação efetivamente iniciar-se, que é a “fase externa”, ela terá características mais sustentáveis.

Só que isto não é suficiente. É necessário capacitar os gestores e administradores públicos em licitações sustentáveis para que, na suas esferas de atribuições, façam escolhas por bens mais sustentáveis e optem por serviços que sejam prestados sem degradação ambiental porque, afinal, o menor custo, nem sempre será o menor custo ambiental e há um dever constitucional do Estado Brasileiro em prol da sustentabilidade.

Fico feliz em constatar que na Advocacia-Geral da União este processo de fortalecimento e difusão das licitações sustentáveis já se iniciou, através de palestras, do assessoramento jurídico ambiental, de um parecer normativo em andamento sobre o tema e também através de um grupo de estudos em São Paulo que já  há sete meses se dedica a aprofundar estas questões.

É provável que existam situações nas quais o mercado ainda não esteja preparado. Na minha visão leiga, o que observo é que a iniciativa privada está se mobilizando em prol da sustentabilidade, tanto na produção como no consumo. E isto mundialmente. As exigências do mercado consumidor e dos próprios varejistas e revendedores estão cada vez maiores e, neste sentido, se a Administração Pública não exercer o seu dever constitucional de preservar o meio ambiente e efetivamente utilizá-lo como princípio da ordem econômica poderá passar a receber os produtos menos sustentáveis do mercado, ou seja, aqueles que foram rejeitados pelos canais privados de escoamento da produção por não atenderem exigências mínimas de sustentabilidade.

O ponto fulcral que gostaria de destacar é que o Estado Brasileiro tem o dever constitucional, e também por compromissos internacionais, de implantar políticas e ações públicas sustentáveis, e a licitação sustentável é uma importante via de atuação estatal responsável e comprometida com o meio ambiente, a saúde humana e a redução na geração de resíduos.

Observatório Eco: Em sua opinião por que é tão difícil implantar a coleta seletiva nesse país?

Teresa Villac Pinheiro Barki: Antes de tudo, acredito que é um problema cultural, que se relaciona com a forma como as pessoas vêem o lixo que produzem, como se elas não fossem mais responsáveis por ele. Só que elas são! Tanto nas suas escolhas, como na destinação adequada dos resíduos domésticos. Fazer a coleta seletiva é um exercício diário de cidadania ambiental e um comprometimento com “o outro”; é considerar o meio ambiente e a coletividade também como sujeitos e não como meros objetos e depositários de nossas necessidades.

Na esfera pública, que é a minha área de atuação profissional, vejo significativos avanços. O Decreto 5.940 de 2006 é um deles. Ele tornou obrigatória a implantação da coleta seletiva em todos órgãos da Administração Pública Federal,  entregando os resíduos passíveis de reciclagem para cooperativas e associações de catadores.

Por esta razão é denominada como coleta seletiva solidária, nítido o objetivo de inserção social desta comunidade profissional, procurando conferir maior dignidade as suas atividades. Não há um processo de “escolha” ou um “vencedor”; as cooperativas podem acordar entre si e há um sistema de revezamento periódico na coleta, tudo muito democrático.

Para o sucesso da implantação da coleta solidária, vejo como é importante um envolvimento efetivo, e não meramente formal, dos integrantes da comissão, consideradas as peculiaridades dessa realidade, como por exemplo, no processo de divulgação do edital de habilitação, que não pode se restringir à publicação na imprensa.  

Além disso, é fundamental compartilharmos as ações e experiências, bem como viabilizarmos mecanismos de informações que transmitam com clareza e objetividade os procedimentos que necessariamente devem ser seguidos pelos gestores públicos na implantação da coleta em seus órgãos. Pensando nisso, foi elaborado um manual de implantação da coleta solidária que é disponibilizado pela Comissão da A3P/AGU e estamos padronizando um edital de habilitação de cooperativas, a partir da experiência que tivemos em São Paulo.

Esta experiência, inclusive, mostrou que nossa responsabilidade socioambiental não se encerra com a assinatura do termo de compromisso com a cooperativa. Conhecendo a realidade de algumas cooperativas, pudemos perceber que não basta a inclusão social da comunidade de catadores, é necessário, eu diria até imprescindível, que esta seja uma inserção social com saúde. Assim, a comissão de coleta da qual participo está em contato com entidades públicas de saúde, procurando viabilizar um acompanhamento da cooperativa, com orientações médicas, sanitárias e de segurança no trabalho.




6 Comentarios

  1. Maria Augusta Ferreira, 13 anos atrás

    Parabéns, Teresa! Na entrevista fica bastante clara a importância de contarmos com a sua competência e engajamento no trabalho da A3P-AGU, para a difusão e consolidação das licitações sustentáveis e na promoção da gestão e educação ambiental.
    A sociedade e o meio ambiente agradecem!

    Maria Augusta Ferreira

  2. Tweets that mention AGU e o fortalecimento da licitação sustentável « Observatório Eco -- Topsy.com, 13 anos atrás

    [...] This post was mentioned on Twitter by Eduardo Viveiros, Observatório Eco. Observatório Eco said: Entrevista exclusiva: AGU eo fortalecimento da licitação sustentável: http://tinyurl.com/289zt62 [...]

  3. teresa barki, 13 anos atrás

    um necessário adendo:
    por lapso meu, não foi mencionada a subcomissão A3P/AGU do Rio de Janeiro, também em funcionamento!
    teresa barki

  4. Theodorico Bernal, 13 anos atrás

    São iniciativas como essas que fazem o mundo prosperar para melhor. Parabens Teresa.

  5. Malu Silva, 13 anos atrás

    Dra. Maria Teresa,

    Boa tarde!

    Parabens pela entrevista. Fico feliz de saber como tem tanta gente boa envolvida nestas questões ambientais
    tão importantes e que o desenvolvimento desta consciência partindo do governo é fundamental para o sucesso de todo o programa.

    Malu Silva

  6. Deborah, 13 anos atrás

    Dra. Tereza,

    Gostaria de saber se essa determinação irá prevalecer quando nas obras de infra-estrutura, assim como quando a administração pública participar em parceria com a iniciativa privada?

    Abraço, Deborah


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