Michel Prieur, a visão humanista do direito ambiental

em 8 September, 2010


O direito ambiental ao estabelecer que o homem deva proteger o meio ambiente, conseguiu frear em muitas situações o avanço da poluição no Planeta. “O direito ambiental não fez milagres, não aumentou a poluição e não protegeu mais a Natureza, mas impediu que degradações maiores acontecessem”, a avaliação é de Michel Prieur, conceituado jurista francês e um dos precursores da pesquisa jurídica que ajudou a formar as bases do direito ambiental no mundo. Prieur ressalta que “passamos da fase em que estávamos confeccionando o direito para uma época em que rapidamente esse direito é aplicado”.  Ele esteve em São Paulo para participar do Congresso internacional “O novo no direito ambiental por Michel Prieur” realizado pela Procuradoria Regional da República, e conversou com o Observatório Eco.

Michel Prieur nasceu na França em 1940, escreveu inúmeras obras, entre elas, o clássico “O Direito do Meio Ambiente”. Recebeu o Prêmio Elizabeth Haub e a Medalha de Ouro do Direito do Meio Ambiente da Universidade de Bruxelas. Desenvolveu seu trabalho na Universidade de Limoges e atua no CRIDEAU (Centro de Pesquisa Interdisciplinar de Direito Ambiental e Planejamento Urbano). Sua vasta obra inclui temas como, riscos industriais e naturais, gestão urbana, estudos de impacto e proteção ao meio ambiente, poluição trans-fronteiriça, impactos radiativos.

Para o congresso realizado em São Paulo em sua homenagem, trouxe os avanços de suas pesquisas para garantir proteção jurídica aos refugiados ambientais, discorreu também, sobre as bases do princípio do não retrocesso em direito ambiental. Ressaltou a importância de que o direito ao meio ambiente equilibrado seja considerado e tratado como um direito humano, de forma a fortalecer a sua proteção. 

Em entrevista ao Observatório Eco elogiou o engajamento ambiental do Ministério Público no Brasil, sugeriu que o país faça sua adesão à Convenção de Aarhus, fez um balanço sobre a evolução do direito ambiental, observou que a mídia deveria ter mais jornalistas especializados em jornalismo ambiental e ressaltou a importância da cidadania ambiental. Veja a entrevista que Michel Prieur concedeu ao Observatório Eco com exclusividade.

 

Observatório Eco: Qual a sua avaliação sobre a evolução do direito ambiental no mundo?

Michel Prieur: A questão é saber se os progressos do direito ambiental são seguidos pelos progressos da proteção ambiental. Isso traduz um grande debate que formula os problemas da eficácia do direito ambiental. Afinal, ele serve para alguma coisa? Hoje esse direito já está em vigor há mais de 30 anos, está na hora de fazer um balanço.

Em geral, achamos que a condição ambiental melhorou em alguns setores, e por outro lado se degradou em outros. O meio ambiente é complexo e não podemos falar assim globalmente, de que todo meio ambiente está degradado. Depende se estamos falando sobre a água, do ar, do solo, do ruído, da fauna, da flora. Teríamos que fazer um balanço para cada setor do ambiente.

O direito ambiental salientou os problemas ambientais para os poderes públicos. Ajudou a acordar a consciência da própria população de que o meio ambiente condiciona suas condições de vida. O direito ambiental estipulou um objetivo, a melhoria do meio ambiente. Uma proteção maior, menos poluição e maior proteção da biodiversidade. Conseqüentemente, o direito ao fixar estes objetivos limitou de certa maneira os estragos, impedindo que a degradação fosse maior.

O direito ambiental não fez milagres, não aumentou a poluição e não protegeu mais a natureza, mas impediu que degradações maiores acontecessem. Isso graças ao controle pelas administrações públicas. Em alguns lugares existe mais controle, em outros não, depende do país, da região.

Depois também tivemos um movimento de participação dos operadores do Direito, juristas, magistrados, advogados, isso tudo fortalece a defesa do meio ambiente. Na Conferência de Johannesburgo, na África do Sul, em 2002, houve um grande encontro de juízes do mundo inteiro preocupados com o meio ambiente.

No Brasil o engajamento do Ministério Público é um exemplo do peso da Justiça na proteção do meio ambiente. O Ministério Público, nesse sentido é exemplar ao desempenhar seu papel, controlar e propor a ação civil pública, tomar iniciativas que sejam do interesse geral de todos para proteger o meio ambiente.

Portanto, passamos da fase em que estávamos confeccionando o direito para uma época em que rapidamente esse direito é aplicado.  E essa aplicação ocorre na Justiça, nos tribunais.

Observatório Eco: De que forma sensibilizar todas as classes sociais para a preservação do Planeta?

Michel Prieur: O problema da conscientização, da importância da educação ambiental, da participação do cidadão nas decisões que vão afinal afetar eles mesmos.

Quanto à educação e sensibilização deve ser uma prioridade para todos os países. O apoio da Unesco, o Programa  das Nações Unidas para o Meio Ambiente, traz uma série de ações para encorajar as escolas, as faculdades e as coletividades locais.

Implantar, disponibilizar informações, explicações e sensibilizar também passa pela imprensa. A mídia tem um papel fundamental para a divulgação ambiental. E nos perguntamos quantos jornais têm jornalistas especializados em meio ambiente? Quantas emissoras de televisão têm jornalistas especializados? Será que se divulgam programas ambientais? Nos países onde são feitos esforços nesse sentido, eles abrangem todos os níveis da população.

Um exemplo que conheço, na Tunísia há uma política governamental de educação ambiental, com coisas elementares. Eles fizeram uma avenida que recebeu o nome de avenida do meio ambiente, e as pessoas passaram a perguntar o que era avenida ambiental, o que era ecologia, e outras passaram a explicar. 

Agora faz parte da vida cotidiana das pessoas, elas andam nessa avenida ecológica, e precisam tomar cuidado, não jogam papel no chão, economizam água, o que significa tudo isso? São elementos simples que podem ter um impacto sobre a população inteira, explicando como cada um desempenha um papel dentro da proteção ambiental.

Além dessa sensibilização, desse alerta, também existe a participação cidadã através dos mecanismos e procedimentos jurídicos. A educação ambiental depende de políticas públicas, exige criatividade e poder de comunicação, enquanto a participação requer instrumentos jurídicos, leis, em minha opinião que organizem mecanismos de consulta.

Existe o princípio dez na Declaração do Rio de Janeiro, a ECO 92, ele diz que para ter um bom meio ambiente, devemos contar com a participação dos cidadãos nas tomadas de decisão, eles têm o direito de participar nas decisões. Cada país tem que ter suas próprias leis, que desenvolvam esse princípio.  

A Convenção de Aarhus assinada em 1998 trata da participação do cidadão no meio ambiente, e especifica detalhadamente, as regras jurídicas que permitem que essa participação ocorra. Este tratado está aberto para ser assinado por todos os países das Nações Unidas, e seria bom que o Brasil também aderisse à Convenção Aarhus, como 45 países já aderiram.

Observatório Eco: Um conselho seu para os jovens que estão herdando esse mundo tão poluído.

Michel Prieur: O problema das gerações futuras, nossos filhos e netos. Temos que dar um recado de esperança, mas também uma determinação firme de mudança de certas práticas, de comportamentos, para que o mundo permaneça um lugar agradável para se viver, um mundo sustentável para todos. Os jovens têm a sorte que os problemas ambientais já estão sendo abordados há 40 anos, porque se tivéssemos começado só agora, a situação seria ainda mais catastrófica.

Temos que continuar seguindo a linha que foi lançada desde a Conferência de Estocolmo, e a Eco 92, no Rio de Janeiro, e que temos em breve o vigésimo aniversário da Conferência do Rio, em 2012. Precisamos aproveitar esse momento simbólico para relançar a máquina de proteção ambiental, portanto, é um problema individual e coletivo, o meio ambiente é um problema local e global, todos estão no mesmo barco.        

Sandra A. S. Kishi: Quais as temáticas inéditas que o senhor trouxe ao Brasil neste Congresso?  

Michel Prieur: No tocante ao principio do não retrocesso dos direitos ambientais, trata-se de um principio que está em desenvolvimento, surgimento, que consiste em proteger todas as leis e convenções internacionais que prevejam uma melhoria no meio ambiente. Assim, em sentido contrário, podemos considerar que toda e qualquer lei e regra que possa retroceder ou diminuir as proteções já existentes seja considerada contrária aos objetivos do desenvolvimento da proteção ambiental.

Fizemos esforçamos, com um grupo de cientistas e pesquisadores, para demonstrar  que existem bases jurídicas para esse principio de não retrocesso que se impõe a todos os países, principalmente, considerando-se que o meio ambiente se tornou um direito humano. Portanto, trata-se de um direito de nunca voltar atrás.

Quanto aos refugiados ambientais, apresentei um projeto de convenção internacional que atribui um status jurídico, de lei, às pessoas que são forçadas a abandonar seus locais devido a uma catástrofe natural ou por causa de uma catástrofe industrial.

São pessoas que devem abandonar os locais onde vivem, e obrigadas a procurar acolhida em outro país, ou mesmo dentro de seus países, de uma região para outra, trata-se do direito deles à alojamento, dignidade, água, alimentos, resumidamente, todos os direitos humanos devem  ser garantidos para essas pessoas fragilizadas.

Estamos tentando sensibilizar os países que reconheçam a categoria destas pessoas, os deslocados ambientais, para que essas pessoas possam ter os seus próprios direitos protegidos.

Esse documento já circula nas organizações internacionais, nas ONGs que defendem os direitos humanos, de meio ambiente para que esse projeto seja colocado na mesa das discussões internacionais. Existe urgência, pois o número de pessoas deslocadas por tragédias ambientais está aumentando. Já temos vários milhões de pessoas, hoje temos mais pessoas deslocadas por motivos ambientais do que por motivo de guerras. Existe uma nova categoria de refugiados que merece o status de proteção.      

 

*Colaboraram com essa entrevista, Suzana Mizne, intérprete e tradutora. Sandra A. S. Kishi, na quarta pergunta.        

 




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