Como eliminar o lixo plástico nos oceanos?

em 18 March, 2019


Ocenaos

O planeta está atolado em lixo plástico, seja nos aterros, na natureza, nos oceanos. Eliminar o uso do plástico descartável é o grande desafio desta sociedade industrializada. Por outro lado, a reciclagem desse material também é baixa no Brasil, apontado como o 4º maior produtor de plástico, o que representa uma tarefa desafiadora também para os brasileiros. Sobre o tema, o Observatório Eco entrevista o especialista, professor Carlos Rogério Cerqueira, da ESEG (Escola Superior de Engenharia e Gestão).

Carlos Rogério Cerqueira é graduado em Química pela USP (Universidade de São Paulo), onde também concluiu o doutorado em Química Orgânica em 2013 e especialista em Meio Ambiente e Sustentabilidade. Ele aponta diversos fatores que contribuem no Brasil para os dados alarmantes de falta de reciclagem do plástico, entre estes, destaca que “78% dos municípios brasileiros não realizam a coleta seletiva”.

Para o especialista, a poluição ambiental que o descarte irregular do plástico causa é imensurável. Contudo, “a baixa taxa de reciclagem faz com que mais plástico novo seja produzido, o que demanda mais matéria-prima (derivados de petróleo) que poderiam ser economizados ou direcionados para outros usos”, ressalta.

Outro aspecto importante, é o lixo plástico que já existe nos oceanos impactando a vida marinha e a qualidade da água, despejado livremente ao longo de décadas. Para o professor, uma solução “seria o desenvolvimento de microrganismos geneticamente modificados capazes de utilizar o plástico como fonte de energia”.

Contudo, esse tipo de estratégia esbarra em questões éticas e ambientais. “Como afirmar com segurança que esses microrganismos são sairiam do controle, provocando desequilíbrios ecológicos mais graves que o problema do plástico”, indaga o especialista, mostrando que essa solução ainda demanda estudos e tecnologias confiáveis, razão pela qual zerar o despejo de plástico nos oceanos seria uma ótima iniciativa para o Planeta. Veja a entrevista exclusiva concedida, por e-mail, de Carlos Rogério Cerqueira, para o Observatório Eco.

Observatório Eco: Segundo dados recentes, divulgados pelo WWF, em 2019, o Brasil é o 4º maior produtor de lixo plástico do mundo e recicla apenas 1,2%. Como você avalia esse cenário?

Carlos Rogério Cerqueira: O fato do Brasil ser o 4° maior produtor de lixo plástico vem do fato do país ser justamente o 4° maior consumidor/produtor (perdendo apenas para EUA, China e Índia, nessa ordem). Em função do tamanho da sua população e dos hábitos de consumo, não é nenhuma surpresa.

A grande questão é justamente a baixa porcentagem de plástico que é reciclado. Isso causa um enorme problema, pois o plástico não reciclado, quando coletado, acaba indo para aterros sanitários, nos quais demora centenas de anos para se degradar, ou então é incinerado, gerando outras formas de poluição ambiental, como efeito estufa, por exemplo.

Por fim, há o plástico que não é destinado adequadamente e acaba indo parar nos esgotos, rios e lagos, causando transtornos como entupimentos e represamento de água em enchentes. Ou então, vai parar nos oceanos, comprometendo a vida marinha.

Fora o aspecto ambiental, há um desperdício para a economia, uma vez que a baixa taxa de reciclagem faz com que mais plástico novo seja produzido, o que demanda mais matéria-prima (derivados de petróleo) que poderiam ser economizados ou direcionados para outros usos.

Observatório Eco: Por que é tão difícil adotar um sistema de coleta seletiva do plástico no país? É um problema cultural, falta de políticas públicas ou desinteresse das empresas que utilizam embalagens plásticas?

Carlos Rogério Cerqueira: Cada um dos fatores têm uma parcela de culpa. É fato que em diversos lugares em que existe a coleta seletiva, a população muitas vezes não segrega adequadamente o lixo, de modo que muito material que poderia ser reciclado acaba tendo a destinação incorreta. Adicionalmente, como a coleta e o descarte do lixo são responsabilidades das prefeituras, apenas cidades maiores (e, portanto, com maiores orçamentos) acabam investindo na coleta seletiva. Assim, 78% dos municípios brasileiros não realizam a coleta seletiva.

Por fim, as empresas que produzem as embalagens plásticas não são obrigadas por lei a fazerem o recolhimento (o que é chamado de Logística Reserva), exceto em alguns casos específicos, como embalagens usadas de agrotóxicos. Sendo responsável por todo o caminho de retorno à fábrica, desde a coleta, a separação, o transporte e a reintrodução no processo produtivo. Muitas vezes, o custo é maior do que utilizar plástico novo (pensando que já existe uma cadeia de suprimento instalada desse material).

A situação é totalmente oposta a do alumínio, pois o custo de produção do metal a partir do minério é muito mais alto que o da reciclagem. Assim, o alumínio bate recordes de reciclagem (com as latas de bebida frequentemente superando 90% de reciclagem), enquanto o plástico pouco ultrapassa 1%.

Observatório Eco: Na União Europeia somente a partir do ano passado houve o endurecimento das regras para coibir o uso de plástico descartável. Isso deve agilizar uma nova postura das indústrias sobre esse problema em nível global? Ou as boas práticas para a redução do problema ficarão centradas nos países da União Europeia, em sua avaliação?

Carlos Rogério Cerqueira: Pelo fato dos plásticos serem inertes, durante décadas a poluição causada por esse tipo de material foi negligenciada. Entretanto, com o aumento do consumo mundial e o acúmulo de resíduos, os plásticos ganharam a atenção dos pesquisadores, que passaram a detectar fragmentos plásticos microscópicos em praticamente qualquer amostra de água potável e em inúmeros seres marinhos.

Aos poucos, o problema foi sendo popularizado, sendo o canudo plástico transformado no vilão da vez, de modo que várias cidades ao redor do mundo passaram a proibi-lo ou restringir o seu uso. Em termos de conscientização é um passo bastante importante, pois desperta a atenção da população e facilita a implementação de novas medidas.

Grandes multinacionais, como redes de fast food, ao contornarem o problema do uso de plástico descartável nos países de legislação mais rigorosa, podem perfeitamente aplicar as medidas em outros países, visando a redução dos seus custos operacionais (uma vez que a parte mais difícil, que é a elaboração de uma solução eficiente já está disponível).

Assim, penso que a tendência é que gradativamente os plásticos descartáveis sejam menos utilizados, por própria iniciativa das empresas que ao se adiantarem em relação à legislação, lutam por vantagem competitiva e redução de custos, além do forte apelo do marketing ambiental.

Observatório Eco: Quais as alternativas de embalagens menos agressivas ao meio ambiente estão sendo desenvolvidas com sucesso para enfrentar o problema do uso do plástico?

Carlos Rogério Cerqueira: A ideia não é abolir os plásticos. Isso, aliás, seria impensável no mundo atual, no qual praticamente tudo ao nosso redor, desde embalagens descartáveis até roupas e equipamentos são feitos desse material.

A ideia é alterar a matéria-prima, substituindo os derivados de petróleo (fonte não renovável) por materiais biodegradáveis oriundos de fontes renováveis.

Assim, o plástico se degradaria naturalmente pela ação dos organismos decompositores, sem custos adicionais de tratamento e sem danos ambientais gerados pelos produtos da degradação. Não faz sentido um copo que é utilizado por alguns segundos demorar centenas de anos para se degradar.

Atualmente, dois materiais se destacam como substitutos do plástico de petróleo. O primeiro deles é o polilactato (PLA), que é um poliéster gerado por uma substância que resulta da fermentação do açúcar, num processo semelhante àquele que produz iogurte. O grande desafio é garantir que as propriedades mecânicas do PLA sejam equivalentes às dos plásticos usados atualmente, com custos compatíveis.

Outro material é o oxo-plástico degradável, que nada mais é que o mesmo plástico que usamos modificado por catalisadores que aceleram a sua decomposição. Os oxo-plásticos degradáveis possuem a vantagem de serem estruturalmente muito similares aos plásticos que utilizamos atualmente, de modo que a substituição é facilitada. Entretanto, a matéria-prima continua sendo não renovável, não sendo essa a solução ideal.

Observatório Eco: Como seria possível diminuir o impacto do lixo plástico nos oceanos a curto prazo?

Carlos Rogério Cerqueira: A medida mais urgente é reduzir o lançamento de resíduos plásticos nos oceanos até zerá-lo. Isso pode ser feito aumentando a oferta de coleta de resíduos com destinação adequada, seja reciclagem, incineração ou imobilização. Ou então garantindo que os plásticos que cheguem ao mar sejam biodegradáveis, de modo que naturalmente eles seriam decompostos, assim como ocorre com o esgoto doméstico lançado adequadamente em mar aberto.

Por fim, resta o problema mais sério: como remover dos oceanos as milhões de toneladas de plástico que se acumularam ao longo das últimas décadas? Uso de sistemas de represagem ou filtração são inviáveis por questões de custos e de eficiência, uma vez que boa parte dos plásticos existe na forma de micropartículas, que foram sendo quebradas por atrito ou ação da luz solar e que por serem muito pequenas, atravessam os filtros e redes.

Uma estratégia para resolver esse problema seria o desenvolvimento de microrganismos geneticamente modificados capazes de utilizar o plástico como fonte de energia. Esses microrganismos consumiriam o plástico, levando à sua completa degradação. Claro que essa iniciativa esbarra em questões éticas e ambientais: afinal, como afirmar com segurança que esses microrganismos são sairiam do controle, provocando desequilíbrios ecológicos mais graves que o problema do plástico?




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