Solução de problemas ambientais é tímida, diz jurista

em 14 July, 2009


Somos ainda muito tímidos na solução dos problemas ambientais quando eles envolvem o social”, na avaliação do jurista Vladimir Passos de Freitas, desembargador federal aposentado do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), ex-promotor público em São Paulo e Paraná, além de autor de inúmeras obras sobre direito ambiental.

 

Professor na pós-graduação da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Paraná, ele aponta que o estudo do direito ambiental, nas faculdades ainda está “muito longe do ideal”, afinal universidades públicas conceituadas ainda não ministram a matéria. Isso ocorre porque os “professores de áreas tradicionais” temem o novo, segundo sua opinião.  

 

Vladimir Passos de Freitas formado na Faculdade Católica de Direito de Santos, em 1968, demonstra preocupação com o projeto de lei 5.139/09, que visa dar nova roupagem a ação civil pública. Para ele, “misturar ações coletivas envolvendo crianças e adolescentes, consumidor, idosos, ímprobos administrativos e outros, com meio ambiente, não parece algo bom”. 

 

Sobre a questão da regularização fundiária na Amazônia que o governo pretende realizar, o jurista receia que “aquisições fraudulentas acabem colocando em mãos de poucos, áreas grandes, que podem ser a soma de pequenas”, afirma.

 

Defende que a lei 9.605/98, que trata dos crimes ambientais, precisa ser revista, mas apenas para agravar algumas sanções, como por exemplo, o tráfico de espécies da fauna silvestre, que tem uma pena simbólica de seis meses a um ano de detenção. Veja a entrevista, que Vladimir Passos de Freitas, concedeu, ao Observatório Eco, com exclusividade.     

 

 

u Observatório Eco: Em trabalho recente, o senhor afirma que os operadores do direito, ao analisarem questões que envolvam posturas humanas ou atividades empresariais, devem considerar a dimensão climática como variável presente, verificando-se a sustentabilidade de cada caso. De que modo isso pode ser feito? Dê um exemplo.

 

Vladimir Passos de Freitas: O que a afirmação pretende é que os operadores do Direito não fiquem alheios às condutas que contém dimensão climática. Quando se usa um termo tão amplo como “operadores do Direito”, o que se pretende é incluir todos mesmo, desde policiais a advogados de empresários.

 

Isto pode ser feito de várias formas. Por exemplo, um advogado pode orientar seu cliente a não agir de determinada forma, dando-lhe ciência de que se não mudar a conduta haverá uma colaboração de fato para o aquecimento global. Isto talvez não dê resultado sem uma recompensa econômica. Daí este mesmo advogado poderá acionar um legislador, de qualquer esfera, sugerindo a adoção de vantagens àqueles que colaborarem para o controle do clima.

 

Em se tratando de um policial ou de um agente do Ministério Público, poderá ser chamada a atenção nas manifestações para a gravidade do problema ambiental no que toca à mudança climática. Idem um fiscal ambiental, na esfera administrativa. Não é fácil, evidentemente, mas é preciso criatividade e coragem para enfrentar o problema. A pior postura é a daqueles que reclamam e nada fazem para melhorar.

 

u Observatório Eco: Tendo como perspectiva a dimensão climática, o Judiciário tem dado o tratamento correto à questão da queima da palha de cana-de-açúcar?

 

Vladimir Passos de Freitas: - O Judiciário tem se preocupado com a questão da palha da cana-de-açúcar. Tanto isto é verdade que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo proibiu-a. Mas, evidentemente, o problema é complexo porque envolve o econômico e o social. E nós ainda somos muito tímidos na solução dos problemas ambientais quando eles envolvem o social.

 

Há um antropocentrismo ainda exacerbado. Com referência expressa à dimensão climática nesta atividade, lembro-me de uma liminar concedida pelo juiz federal Mauro Spalding, de Jacarezinho, PR, proibindo a queima e se referindo, expressamente, sobre o problema do aquecimento global. 

 

u Observatório Eco: A Conferência de Copenhagen está próxima e parece existir pouco empenho dos países no comprometimento de redução efetiva das emissões dos gases de efeito estufa. A pressão econômica demonstra sempre esquecer que depende do Meio Ambiente, como equacionar preservação e desenvolvimento?

 

Vladimir Passos de Freitas: Concordo plenamente. Ainda há um empenho reduzido, uma luta surda entre sul e norte do globo. Já é tempo de todos perceberem que os problemas atingirão a todos, muito embora os países pobres sejam os que serão atingidos mais gravemente. Principalmente os da África.

 

u Observatório Eco: O senhor concorda ou discorda da seguinte afirmação: o Meio Ambiente é um bom negócio. E por quê?

 

Vladimir Passos de Freitas: Não há como negar que hoje há uma enorme quantidade de negócios envolvendo o meio ambiente. O que mais chama a atenção é o dos créditos de carbono. Mas há muitos outros. Por exemplo, as lâmpadas de mercúrio que são mais econômicas, a exploração de águas naturais ou minerais, a reciclagem dos resíduos, enfim uma série de possibilidades. Isto não é ruim na medida em que colabore para a exploração sustentável. Mas é muito ruim quando é apenas uma fachada, uma jogada de marketing.

 

u Observatório Eco: No ano passado a lei dos crimes ambientais, 9.605/98, foi regulamentada pelo decreto 6.514/08. A lei, na prática, é pouco respeitada, o regulamento fortalece a lei? A 9.605/98 precisa ser revista em quais aspectos?

 

Vladimir Passos de Freitas: A Lei 9.605/98, que trata dos crimes ambientais e das infrações administrativas, foi um marco na proteção ambiental. Ela não é pouco respeitada. Há centenas de ações penais em andamento, há milhares de acordos celebrados nos Juizados Especiais e em suspensões do processo, há várias condenações de pessoas jurídicas, enfim, há resultados.

 

O decreto regulamenta a parte administrativa, nada tem a ver com os crimes. E neste objetivo ele modernizou as sanções. Criou novas sanções com base em outras leis ambientais, endureceu o sistema. Assim, voltando e ficando apenas no aspecto penal, eu diria que a Lei 9.605/98 precisa, sim, ser revista, mas apenas para agravar algumas sanções, como por exemplo, o tráfico de espécimes da fauna silvestre, que tem uma pena simbólica de 6 meses a 1 ano de detenção. No mais, os defeitos dela ficam por conta dos defeitos gerais do nosso sistema judicial, da falta de estrutura da polícia e outros semelhantes.

 

u Observatório Eco: O Congresso Nacional dá início à tramitação do projeto 5.139/09, que altera a lei de ação civil pública. No âmbito ambiental, como o senhor avalia esse projeto? A defesa do Meio Ambiente deveria merecer uma lei específica?

 

Vladimir Passos de Freitas: Vejo com preocupação. A Lei da Ação Civil Pública é de 1985 e já tem uma jurisprudência consolidada. Meu medo é que tudo volte a ser discutido e acabe se tornando pior a inovação do que a atual realidade.

 

Por outro lado, misturar ações coletivas envolvendo crianças e adolescentes, consumidor, idosos, ímprobos administrativos e outros, com meio ambiente, não me parece algo bom. São situações distintas e, se estiverem juntas, certamente se partirá para um antropocentrismo exacerbado.

 

u Observatório Eco: Atualmente, vivemos um processo político, seja no aspecto federal, estadual ou municipal, que busca flexibilizar as exigências de licenciamentos ambientais, isso preocupa o senhor?

 

Vladimir Passos de Freitas: Sim, sem dúvida. Uma coisa é o desejo dos empreendedores de que as regras do licenciamento sejam claras, a autoridade competente seja reconhecida e que o prazo de decisão seja razoável. Com estas estou plenamente de acordo. Outra coisa é, em nome disto, querer dispensa de exigências. Isto seria um retrocesso enorme.

 

u Observatório Eco: Com a conversão da MP 458 em lei, quais os efeitos dessa legislação na Amazônia Legal?

 

Vladimir Passos de Freitas: A MP 458 foi convertida na Lei 11.952, de 25 de junho de 2009. É muito difícil saber quais serão os efeitos desta lei sobre a Amazônia Legal. Mas, sem dúvida, há receios de que venham a ser daninhos. Principalmente nas regularizações fundiárias onde se receia que aquisições fraudulentas acabem colocando em mãos de poucos, áreas grandes, que podem ser a soma de pequenas. Em se tratando de Amazônia, vale a pena citar notícia de que os governadores da região reivindicam pagamento pela manutenção das florestas.  Esta seria uma medida adequada, com muito mais sentido do que premiar apenas aqueles que reflorestam sua área.

 

u Observatório Eco: Os TAC?s (Termos de Ajustamento de Conduta): vilão ou mocinho na defesa do Meio Ambiente? 

 

Vladimir Passos de Freitas: Os TACs podem ser mocinho ou vilão, dependendo de quem ou como os façam. Mas, em princípio, sou favorável. Não se pode querer que tudo se resolva em conflitos judiciais. O Judiciário não tem estrutura para receber tantas ações. De uma forma geral, minha experiência revela que os TACs têm sido benéficos à proteção ambiental. Prefiro, portanto, pensar que eles são úteis. E quando se perceber que foram fraudados, aí sim, impõe-se repressão severa.

 

u Observatório Eco: Os cursos de Direito estão capacitados e percebendo a importância do Direito Ambiental na grade curricular?

 

Vladimir Passos de Freitas: Não. Ainda estamos longe, muito longe do ideal. Universidades públicas conceituadas ainda não ministram a matéria. Certamente porque professores de áreas tradicionais são contra, temem o novo. Não vou citar exemplos negativos. Prefiro citar um positivo. Na região metropolitana de Curitiba existem 13 Faculdades de Direito. Destas, nada menos do que 10 possuem Direito Ambiental como matéria obrigatória ou facultativa, por vezes com Agrária. Isto me parece um alto grau de conscientização.

 




3 Comentarios

  1. Paladia Romeiro, 14 anos atrás

    A entrevista mostra a grande consciência do professor.
    O esclarecimento acerca da “flexibilização” do licenciamento ambiental é curto e certo!

    Além disso, demosntra que nós, operadores do direito (advogados em especial), não podemos ficar só na espera dos conflitos judiciais, há muito campo para atuação consultiva na área ambiental.

  2. Roseli, 14 anos atrás

    OLá Paladia,

    Sem dúvida advogados deixam de atuar na área preventiva ambiental. Isso precisa mudar. Vamos em breve retornar ao tema.

    Obrigada, por seu comentário.

    Roseli

  3. maria, 14 anos atrás

    estou escrevendo uma tesi em auditoria ambiental o que voce pode mandar para mim de material. abracos


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