Amazônia sofre mudanças intensas e nocivas, alerta ambientalista

em 25 March, 2019


Amazonia

“A expansão de infraestrutura urbana sem bom planejamento, transformação da floresta em extensas áreas de agricultura e pecuária, exploração mineral industrial e abertura de estradas têm transformado de forma crítica algumas áreas da Amazônia”, o alerta é do geógrafo e ambientalista Carlos Durigan, diretor executivo da WCS Brasil.

Como exemplo, dessa atividade que impacta negativamente a região ele aponta o caso do mercúrio muito utilizado para o garimpo de ouro e que já afeta a vida de milhares de pessoas de modo sistêmico e silencioso.

Por outro lado, o especialista, ressalta que há boas políticas voltadas à proteção de florestas, como por exemplo, o PPCDAM (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), contudo avalia que essas políticas precisam ser “respeitadas, além de aperfeiçoadas e implementadas”. “A questão é que ainda ficamos reféns da falta de interesses políticos que, consequentemente, acabam por fragilizar as políticas estabelecidas”, afirma.

Carlos Durigan, que cresceu em São Paulo, conta que já na infância, através de livros e revistas se encantou com a Amazônia, onde vive há 20 anos após a conclusão de seu mestrado em Ecologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Depois engajou-se em diversas ações voltadas à conservação da biodiversidade, tendo atuado em ações de criação e implementação de Áreas Protegidas.

Além disso, ele participa de pesquisas multidisciplinares envolvendo estudos e trabalhos de campo em biodiversidade e sociodiversidade com ênfase em inventários biológicos e levantamentos socioeconômicos e etno ambientais participativos para subsidiar projetos e ações em Unidades de Conservação e Terras Indígenas.

O ambientalista também rebate fake news recorrentes que vendem a ideia de que por trás da agenda de conservação da Amazônia existam interesses econômicos obscuros e que as ONGs que desenvolvem ações na região estariam de fato defendendo estes valores.

Ele ressalta que as ONGs desenvolvem ações para propor alternativas e minimizar os efeitos nocivos do desenvolvimento da Amazônia.

Veja na íntegra a entrevista que Carlos Durigan concede, por e-mail, com exclusividade ao Observatório Eco.

Observatório Eco: Qual é a “fake news“, mais comum, que você lê sobre a Amazônia, que te deixa muito chateado e você gostaria de esclarecer (rebater)?

Carlos Durigan: Fake news recorrentes vendem a ideia de que por trás da agenda de conservação da Amazônia haveria interesses econômicos obscuros e que as ONGs que desenvolvem ações em torno do tema na região estariam de fato defendendo estes interesses.

Essas ideias erradas demonstram que ainda temos muito a percorrer para convencer de que a Conservação da Amazônia é sim um tema importante globalmente e que reúne diversos olhares e interesses para a região, mas que estes não estão relacionados a interesses malignos ou que buscam usurpar a soberania dos países que têm parte de seus territórios sobre a região, ou mesmo que buscam riquezas de forma ilícita, ou ainda que buscam atrapalhar o desenvolvimento regional.

A agenda conservacionista é antiga na região e foi construída envolvendo instituições governamentais, universidades, institutos de pesquisa, comunidades indígenas e não-indígenas, cientistas, empresas, fundações e representações da sociedade civil – as ONGs. Basicamente nasceu do crescimento das preocupações globais, nas últimas décadas, em relação à destruição e degradação de paisagens naturais, perda de biodiversidade, mudanças no clima e ameaças a culturas locais, entre outros temas que estão diretamente relacionados à forma como as ações humanas têm se desenvolvido.

Assim, este coletivo de representações, do qual as ONGs fazem parte, desenvolve ações para propor alternativas e minimizar os efeitos nocivos do desenvolvimento da Amazônia a qualquer custo, buscando garantir o reconhecimento e a proteção de elementos essenciais que constituem sua paisagem, sua cultura e os serviços ecossistêmicos, mostrando que há caminhos para desenvolvermos e conservarmos a região ao mesmo tempo.

Observatório Eco: De que maneira é possível preservar a floresta, uma vez que o desmatamento é um problema constante?

Carlos Durigan: Já existem mecanismos criados para reduzir o desmatamento e até zerá-lo, em algumas regiões na Amazônia. É o caso das políticas de controle de desmatamento relacionadas ao PPCDAM (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal); as normas estabelecidas pelo Código Florestal, como o Cadastro Ambiental Rural, proteção e controle de áreas naturais e culturais relacionados à consolidação das Unidades de Conservação, Terras Indígenas, Territórios Quilombolas e assentamentos agroextrativistas, assim como proteção e destinação das terras públicas na região.

A questão é que ainda ficamos reféns da falta de interesses políticos que, consequentemente, acabam por fragilizar as políticas estabelecidas até hoje, essa fragilização se materializa, por exemplo, pela baixa dotação orçamentária das agências e instituições responsáveis por executar as ações estabelecidas e que acabam tendo dificuldades de cumprir seu papel.

Observatório Eco: Ao caminhar pela floresta, como você percebe o declínio da biodiversidade ao longo desses anos? E o que mais te preocupa?

Carlos Durigan: A expansão de infraestrutura urbana sem bom planejamento, transformação da floresta em extensas áreas de agricultura e pecuária, exploração mineral industrial e abertura de estradas têm transformado de forma crítica algumas áreas da Amazônia.

É impactante a diferença de ambientes naturais em zonas de ocupação intensiva, onde é possível ver extensas áreas de florestas alteradas tanto pela retirada das grandes árvores quanto pelo uso recorrente do fogo. Esta intensidade de ocupação e transformação das paisagens naturais fazem desaparecer rapidamente diversas espécies. Rios e paisagens aquáticas sofrem com a exploração mineral e alterações de seus cursos com a construção de infraestrutura e barragens.

É preocupante a velocidade e intensidade que estes processos de degradação têm ocorrido na região e que tendem a se agravar com eventos extremos relacionados à mudança do clima. Em anos recentes vivenciamos momentos críticos de queimadas relacionadas tanto a esta intensidade de atividades humanas degradantes quanto a ocorrência de períodos de seca cada vez mais frequentes. Atividades com potencial contaminante sobre os rios e a biodiversidade aquática regional também são de grande preocupação pois se expandem de forma silenciosa e sistêmica, como é o caso do mercúrio muito utilizado para o garimpo de ouro e que já afeta a vida de milhares de pessoas.

Observatório Eco: Quais são as políticas públicas necessárias para a proteção da floresta que deveriam ser adotadas permanentemente no país, independente do governo vigente?

Carlos Durigan: Políticas voltadas à proteção de florestas já existem e precisam ser respeitadas, além de aperfeiçoadas e implementadas. Como foi o caso do PPCDAM, que pode e deve ser articulado com outras iniciativas nos diversos Biomas do país, o Código Florestal, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, as políticas de proteção às Terras Indígenas e Territórios Quilombolas entre outras.

Existem leis e normas e, até mesmo, a própria Constituição já estabelecem suas bases. Assim para que estas políticas sobrevivam e sejam respeitadas ao longo do tempo e de forma independente a mudanças de governo, a sociedade precisa estar atenta e se mobilizar quando as ameaças surgem.

Observatório Eco: O que fez você se apaixonar pela Amazônia, e já viver há mais de 20 anos no local?

Carlos Durigan: Cresci numa região de transição entre Cerrado e Mata Atlântica no norte do estado de São Paulo, sempre ouvindo histórias de aventuras de pescarias e caçadas vividas por meus pais e familiares, que conheciam muito a flora e fauna da região. Sempre fui apaixonado por plantas e animais e me entristecia ao ver nossa região ser devastada, áreas de matas e rios que frequentávamos dando lugar a extensos canaviais.

Já na infância, através de livros e revistas passei a me encantar pela Amazônia e pelas pessoas que ainda conseguiam viver em extensas áreas naturais e que passavam a também serem ameaçadas pela agenda pseudo-desenvolvimentista, que se instalava naquela época com a abertura de estradas e construção de hidroelétricas.

Uma série de coincidências positivas acabaram me direcionando a vir para a região nos anos 90, quando ingressei no mestrado em Ecologia do INPA (Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia). A possibilidade de viver numa região de natureza pujante e de culturas humanas ricas e diversas, a construção de amizades sólidas e produtivas e ainda poder contribuir pela sua conservação foram os estímulos que faltavam para consolidar meu sentimento de admiração e respeito pela Amazônia e sua gente.

Observatório Eco: Dentro do âmbito da educação ambiental, o que pode ser feito para aproximar as cidades e a floresta, e para que as pessoas possam entender verdadeiramente a importância da preservação da Amazônia?

Carlos Durigan: O espaço urbano tem se desenvolvido de forma a negar a natureza e nessa abordagem a floresta atrapalha e acaba sendo destruída para dar espaço a ambientes artificiais. A vivência nestes ambientes artificiais afasta as pessoas da natureza, cria-se a falsa impressão de segurança e de satisfação plena de suas necessidades. Esta impressão acaba por ruir quando sofremos com as tragédias causadas pela degradação ambiental.

Situações críticas cada vez mais frequentes como a falta de água, aumento de doenças causadas por contaminação, poluição e até stress emocional são exemplos que mostram que o ambiente artificial das grandes cidades não é tão seguro quanto parece e que seu estabelecimento e manutenção cobram um alto preço.

Sinto que há interesse e aderência da maior parte da sociedade nas mobilizações em prol da conservação da natureza. O que falta é estimular que nas suas ações diárias as pessoas busquem efetivamente contribuir para isso e, ao mesmo tempo, que cobrem com mais veemência da gestão pública ações concretas na melhoria da qualidade de vida que está atrelada ao manejo adequado das áreas e recursos naturais.

Já existem bons exemplos de cidades que crescem e se adequam para criar espaços de convivência mais naturais e florestados, programas de recuperação de rios e lagos e proteção de mananciais, tratamento e diminuição na produção de resíduos entre outros. Ações de educação ambiental mais efetivas devem estar atreladas a realização de ações práticas e construção de políticas públicas socioambientais sérias, através das quais possamos construir bases mais sustentáveis ao nosso modo de vida e mitigar nossos impactos sobre a natureza.

Observatório Eco: Por que um geógrafo se tornou um ambientalista e qual a sua missão na WCS Brasil?

Carlos Durigan: Meu perfil ambientalista foi e ainda é construído ao longo de toda minha vida, extrapola minha formação acadêmica e é fruto de um gosto incontrolável por conhecimento do mundo e de me aventurar na natureza, aliados à convivência e cumplicidade de tanta gente boa entre mestres, colegas, familiares e amigos.

A geografia e a biologia me propiciaram elementos teóricos e metodológicos importantes para ser mais efetivo no meu engajamento nas redes conservacionistas e através de minha atuação na WCS Brasil busco dar minha contribuição ao esforço coletivo de construirmos alternativas viáveis de conservar a Amazônia como a conhecemos.




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