Falta regulamentar o processo penal ambiental, diz promotora

em 15 September, 2009


 

 

 

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 lei 9.605/98 precisa ser revista em diversos aspectos, na opinião da promotora de justiça, Ana Paula Fernandes Nogueira da Cruz. “Para iniciar, seria necessária a completa regulamentação do processo penal ambiental”, afirma.    

 

Segundo a promotora, a lei 9.605/98 não traz dispositivos processuais completos e a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal não responde a diversos problemas, principalmente, relacionados à pessoa jurídica.  Por exemplo, citação, interrogatório, prescrição e em outros aspectos.  

 

Ana Paula Cruz é promotora de justiça em São Paulo, atuando há vários anos na área da defesa do Meio Ambiente e Urbanismo, na cidade de Santos. Ela defende a especialização dos juízes “em questões ambientais, tanto cíveis quanto penais”.

  

Em seu recente livro, “A Culpabilidade nos Crimes Ambientais”, da editora Revista dos Tribunais, a autora sustenta que a “culpabilidade nos crimes ambientais necessita de uma reconstrução que, sem abandonar os princípios de garantia que embasam o direito Penal, atente para os princípios reitores do direito Ambiental”.  

 

Ana Paula, também, é professora da UniSantos (Universidade Católica de Santos), onde dá aulas de direito processual penal e direito ambiental, e em sua avaliação, “não é a dureza da pena que previne o crime, mas a certeza da punição”. Para ela, o legislador brasileiro, muitas vezes, “legisla para atender a clamores populares”.  

 

“Não precisamos de leis mais duras, precisamos de um processo mais eficaz, de interpretações jurídicas menos fantasiosas e pragmáticas e da aplicação e fiscalização efetiva das normas”, afirma Ana Paula Cruz, em entrevista concedida ao Observatório Eco, com exclusividade. Veja, a seguir, os melhores trechos desta entrevista.

 

Observatório Eco: Seria viável, em tese, o criminoso ambiental ser julgado por um júri popular?

 

Ana Paula Cruz: Em tese sim. Quando o artigo 5º, XXXVIII da Constituição Federal reconhece a instituição do júri, o que ele determina é uma competência mínima em relação aos crimes dolosos contra a vida. Nada impede que o legislador ordinário amplie essa competência, desde que garanta a competência mínima prevista na Constituição.

 

Todavia, deixo claro que sou totalmente contra a essa ideia. O Júri mais falha do que acerta, é muito caro para o Estado e não apresenta resultados significativos no que se refere a uma democratização da participação popular direta. Observe-se que isso ocorre quando se tratam de crimes dolosos contra a vida, em relação aos quais não ha nenhuma dúvida por parte da sociedade para compreender o alcance e a relevância do bem jurídico – vida humana.

 

Creio que para os crimes ambientais, onde os próprios juristas tem dificuldades para compreender questões às vezes bastante complexas tecnicamente, a adoção de tal competência para o Júri popular seria desastrosa e iria à contramão do preconizado pela doutrina especializada.

 

A doutrina e a experiência, veja o Estado do Amazonas, demonstram que o melhor é a especialização de Juízes, Promotores de Justiça etc., criando-se varas especializadas em questões ambientais, cargos de Promotor de Justiça especializados.  

 

Observatório Eco: É razoável o perdão na esfera penal, quando o infrator recupera o bem ambiental agredido? Mas, inclusive em caso de agressão a um bem ambiental cultural antigo, por exemplo, que não pode ser recuperado, apenas substituído?


Ana Paula Cruz:  O perdão judicial, nos termos do artigo 107, IX do Código Penal, tem que ter expressa previsão legal, eis que se trata de uma abdicação do Estado do direito de punir. Não ha previsão legal para tanto quanto aos crimes ambientais.

 

Todavia, a Lei dos Crimes Ambientais (Lei Federal n. 9.605, de 12/02/98) prevê uma série de medidas despenalizadoras, mas não o perdão judicial, em caso de reparação do dano ambiental. Digno de nota é o artigo 28, incisos I e V que prevê a extinção da punibilidade no processo condicionalmente suspenso, comprovada a reparação do dano.

 

Observatório Eco: Em termos de culpabilidade em crimes ambientais, o que sua tese defende? Como pode ser aplicado pelo juiz, pelo advogado ou promotor essa nova perspectiva?

 

Ana Paula Cruz: O que posso mencionar na oportunidade é que a culpabilidade nos crimes ambientais necessita de uma reconstrução que, sem abandonar os princípios de garantia que embasam o Direito Penal, atente para os princípios reitores do Direito Ambiental (precaução, prevenção, poluidor pagador, reparação integral, educação ambiental, dentre outros).  

 

Observatório Eco: Qual o perfil do criminoso ambiental?


Ana Paula Cruz: Identifico basicamente os seguintes tipos, a pessoa jurídica criminosa e a pessoa física. A física quando pratica o crime em nome próprio, em geral se trata de pessoa com pouca instrução e informação. Mas também pode ocorrer o contrário, quando se trata de pessoa com elevado poder aquisitivo e prestígio social, por exemplo a construção de mansões em áreas ambientalmente protegidas. 

 

No contexto da empresa, a pessoa física assume 2 posições: ou se enquadra na hipótese do artigo 2º da Lei de Crimes Ambientais, então temos a figura do administrador. Ou se trata de preposto da empresa, que age em nome dela, mas não tem qualquer poder decisório no que se refere a pratica delituosa.�
 

Observatório Eco: Na procura pelo lucro, há a pratica do crime ambiental corporativo? A sociedade empresarial aceita correr o risco de não ter sua conduta inadequada com  o meio ambiente descoberta? Na busca pelo lucro a conduta delitiva muitas vezes chega até ser aprovada em uma ata, há perdão para essa conduta, se houve depois a recuperação de um rio poluído, por exemplo?


Ana Paula Cruz: Muitas vezes o delito ambiental praticado pela pessoa jurídica decorre de um defeito no processo produtivo falho, do que a doutrina chama de “filosofia ou política defeituosa da empresa”, bem como de uma “organização defeituosa da empresa”, que não adota as medidas de vigilância e controle oportunas que lhes são exigíveis para evitar a pratica de delitos.

 

Observatório Eco: Foi uma opção correta o legislador punir a pessoa jurídica no caso de crime ambiental?


Ana Paula Cruz: Claro. A previsão desta forma de responsabilização previne a chamada “irresponsabilidade organizada”. Ou seja, na impossibilidade de se identificar, no contexto empresarial, a pessoa física que efetivamente tem o domínio do fato criminoso, até porque, o crime muitas vezes não é praticado por uma “decisão” expressa, mas é fruto de uma política empresarial defeituosa e de uma organização empresarial inadequada. Evita-se a impunidade ou, pior, a punição daqueles executores que meramente cumprem as ordens da empresa, os chamados “peixes-miudos”, aqueles empregados que não possuem o menor poder decisório sobre a política empresarial. 

 

Observatório Eco: Nossa legislação avalia e pune corretamente, por exemplo, o crime de biopirataria?

 

Ana Paula Cruz: A chamada biopirataria, ou seja, a retirada ilícita de produtos oriundos dos ecossistemas nativos para fins comerciais, tem previsão nos artigos 29, III, 30, 45 e 46. Os tipos penais estão descritos de forma abrangente e bastante adequada, em minha opinião.

 

Observatório Eco: Muitos autores entrevistados pelo Observatório Eco defendem penas mais duras para o infrator de crimes ambientais. Qual a sua opinião?


Ana Paula Cruz: Como já defendia Beccaria, há tantos séculos, não é a dureza da pena que previne o crime, mas a certeza da punição. O legislador brasileiro por um lado cria diversos tipos penais, inclusive criminalizando condutas que não possuem materialmente relevância penal, deveriam permanecer apenas na esfera de ilícitos administrativos ou civis, legislando para atender a clamores populares.

 

Por outro lado, [o legislador] cria normas de processo penal que negam o direito de punir do Estado, dificultam a administração da Justiça e impedem a efetiva punição do criminoso. E isso não só em relação aos crimes ambientais, mas em relação a todos os crimes. 

 

Alie-se a isso a falta completa de estrutura da Administração pública na prevenção e punição dos crimes, a morosidade do Judiciário e o acolhimento de teses jurídicas pelos Tribunais, inclusive os superiores que, sob a pecha de “proteção da Constituição Federal e dos direitos humanos”. Na pratica negam o direito de punir do Estado e impedem a efetiva aplicação da lei penal.

 

Não precisamos de leis mais duras, precisamos de um processo mais eficaz, de interpretações jurídicas menos fantasiosas e pragmáticas e da aplicação e fiscalização efetiva das normas.

 

Observatório Eco: Penas mais severas irão reduzir o crime de tráfico de animais, por exemplo?


Ana Paula Cruz: Não acredito em penas mais severas. Acredito em punição certa e eficaz.

 

 

Observatório Eco: Muitos criminalistas comentam que a prescrição inviabiliza a punição na esfera ambiental. Ou seja, com a lentidão da justiça a impunidade acaba prevalecendo na vida real. A senhora concorda?


Ana Paula Cruz: Concordo. Especialmente a prescrição retroativa é um desserviço para a sociedade. Principalmente no que se refere aos crimes ambientais onde muitas vezes a complexidade técnica das questões demanda um tempo maior para a exata apuração da verdade dos fatos.

 

Observatório Eco: Segundo sua tese, como deve ocorrer o entrelaçamento dos princípios do direito penal moderno e do direito ambiental?


Ana Paula Cruz: O direito penal ambiental deve informar-se pelos princípios reitores do direito ambiental, mas não pode esquecer que o direito penal tem, antes de tudo, um caráter garantistico, caráter esse muito bem expresso pelo principio da culpabilidade.
 

Observatório Eco: Muitos doutrinadores avaliam com reservas a aplicação do juizado especial criminal para conhecer e julgar o crime ambiental, qual a sua avaliação?

Ana Paula Cruz: Novamente o grande problema não é legal, mas de implementação. Da forma como os juizados estão sendo administrados, a Justiça penal transformou-se em verdadeiro faz-de-conta. Não é possível, na prática, ter todos os dados e informações para que a audiência preliminar e mesmo a audiência de instrução e julgamento possam ser eficazes e resultar na adequada aplicação da lei penal ambiental.

 

Todavia, não me parece que a aplicação da norma penal ambiental por juízes penais ordinários fosse ter eficácia. O que se precisa, em meu entendimento,  é de juízos especializados em questões ambientais, tanto cíveis quanto penais.

 

Observatório Eco: A lei dos crimes ambientais, 9.605/98, foi regulamentada pelo decreto 6.514/08, o regulamento fortalece a lei?


Ana Paula Cruz: O referido decreto regulamenta a aplicação das normas de caráter administrativo. Não se trata de fortalecer a lei, mas de exercício da competência normativa do poder executivo para as normas administrativas.

 

Trata-se de medida necessária para a aplicação da norma, no que se refere aos seus aspectos administrativos. É bom lembrar que as normas de caráter penal são reguladas tão-somente pela lei 9.605/98, em virtude do principio da reserva legal penal, nos termos do artigo 5º, XXXIX da Constituição Federal.  

 

Observatório Eco: A lei 9.605/98 precisa ser revista? Em quais aspectos?

Ana Paula Cruz: Em diversos aspectos. Para iniciar, seria necessária a completa regulamentação do processo penal ambiental. A lei não traz dispositivos processuais completos e a aplicação subsidiaria do Código de processo Penal não responde a diversos problemas, principalmente, no que toca a pessoa jurídica, por exemplo, citação, interrogatório, entre outros.

 

Necessitaria regulamentar melhor as penas aplicáveis às pessoas jurídicas, quanto a prazo de aplicação, prescrição etc. Poderia reduzir o rol de tipos penais, excluindo da esfera penal condutas que podem ser reguladas apenas por normas administrativas.




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