Clones humanos serão comuns no futuro?

em 5 January, 2010


Se nos filiarmos à corrente mais liberal da bioética, que busca conciliar suas idéias com os preceitos éticos e jurídicos existentes, a clonagem humana pode no futuro ser um procedimento comum para o homem.

 

Em entrevista ao Observatório Eco, o juiz de direito em São Paulo, Edison Tetsuzo Namba, ressalta que “a criação de clones humanos pode se tornar uma realidade”, afinal a ambição do homem de se perpetuar é muito grande, “faz parte da natureza do ser humano imaginar ser imortal”. Ele, porém faz a ressalva “espero que não ocorra, pois, se isso se concretizar, não teremos mais uma sociedade, ou seja, um conjunto de pessoas que querem conviver e buscar objetivos comuns, nada obstante, a prevalência do egoísmo e do narcisismo”.

 

Edison T. Namba, que atua na 31ª Vara Criminal de São Paulo, possui mestrado e doutorado em Direito pela USP (Universidade de São Paulo). Seu doutorado concluído em 2007 com a orientação do professor Rui Geraldo Camargo Viana trata dos aspectos bioéticos, civis e constitucionais da clonagem humana. Namba, inclusive, acaba de lançar o “Manual de bioética e biodireito”, pela Editora Atlas, onde aborda outros temas controvertidos, por exemplo, o feto anencéfalo, a pesquisa com células-tronco, a eutanásia e suas derivações.

 

Para ele “a bioética foi percebida mais rapidamente que o biodireito”. Até porque, no biodireito existe a necessidade de elaboração das normas, procedimento mais cauteloso, vagaroso, que exige debates, além de seguir uma tramitação formal.

 

Contudo, isso não impede que o legislador seja moderno, na avaliação de Namba, o legislador brasileiro foi arrojado, por exemplo, ao criar a lei de biossegurança, lei 11.105/2005, que permite a pesquisa com células-tronco embrionárias, com base em embriões excedentes das técnicas de reprodução assistida. Isso ocorre porque, muitas vezes, o biodireito amparado nos preceitos da bioética, constitucionais e legais, quer conciliar a concepção moral da vida com os avanços das pesquisas científicas. Veja a entrevista que Edison Tetsuzo Namba concedeu ao Observatório Eco, com exclusividade.

 

Observatório Eco: A bioética evolui de forma mais rápida que o biodireito? Por essa razão ela seria mais permissiva ao avaliar várias condutas?

 

Edison Tetsuzo Namba: Gostaria, em primeiro lugar, de agradecer a oportunidade de dar esta entrevista. Quanto à primeira parte do questionamento, acredito que a bioética foi percebida mais rapidamente que o biodireito, porque neste caso existem normas a serem elaboradas, ou seja, deve-se contar com a colaboração, em princípio, da atividade legiferante e, sendo assim, isso tende a ser mais vagaroso, pelos debates, tramitação formal, dentre outros aspectos. Não se pode prescindir da lei, num sentido lato, pois esta é a fonte primária do direito e, via de consequência, do biodireito, alicerçada em ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais.

 

 A bioética não é mais permissiva que o biodireito. Existem duas linhas de pensamento principais: a conservadora e a liberal, para aquela não se deve avançar muito numa inovação científica e tecnológica, em alguns momentos, é melhor realizar uma “suspensão” da implantação do novo para melhor reflexão. Assim, uma tende a refrear a outra ou tentar induzir a aceitar modificações.

 

Daí a importância do biodireito, que tende a servir de substrato para resolver os conflitos de interesses em razão dos avanços que ocorrem numa sociedade contemporânea, conciliando-os com a ética.

 

Observatório Eco: De que maneira a doutrina e a legislação brasileira definem bioética e biodireito?

 

Edison Tetsuzo Namba: Não há uma definição legal para uma ou outra. A doutrina costuma situar a bioética como o mínimo necessário a se respeitar face aos avanços da ciência e, por sua vez, o biodireito trata das normas que podem auxiliar nesse desiderato, respeitando-se a integridade física e saúde de todos.

 

Observatório Eco: Em seu livro, “Bioética e Biodireito”, o senhor aborda a concepção conservadora e liberal da bioética. Qual corrente o senhor considera mais adequada e por quê?

 

Edison Tetsuzo Namba: Considero mais adequada a corrente liberal, pois dessa maneira se aceita a mudança, tenta-se conciliar suas idéias com os preceitos éticos e jurídicos existentes, não deixando de se enfrentar as questões delicadas do nosso século, tais como, o uso de células-tronco embrionárias, clonagem humana terapêutica e reprodução assistida, principalmente, heteróloga.

 

Observatório Eco: Em seu mesmo trabalho o senhor afirma que é hora de se preocupar com o biodireito, por quê? De que forma isso pode ser feito.

 

Edison Tetsuzo Namba:  Deve-se preocupar com o biodireito porque a bioética, com a possível contradição de seus princípios, pelas influências das tendências conservadora e liberal, pode-se ter um impasse, isto é, não se resolve o problema apresentando, exemplificativamente, pode-se ou não realizar o aborto quando a mulher é estuprada? Aqui está em jogo à autonomia da mulher que não quer levar adiante uma gravidez indesejada, pela gênese ilícita da concepção, e o interesse do ser em formação. Nossa legislação, Código Penal, realizando uma prévia valoração, permite essa intervenção, com lastreio em ensinamentos teóricos e jurisprudenciais. Isso, acredito, é o biodireito em ação.

 

Observatório Eco: Afinal, o biodireito é mais preocupado com a concepção moral sobre a vida ou mais focado nos avanços das pesquisas científicas:

 

Edison Tetsuzo Namba: O biodireito, com base nos preceitos da bioética, constitucionais e legais, quer conciliar a concepção moral da vida com os avanços das pesquisas científicas. Dou outro exemplo: não se pode matar alguém, isso é crime, tipificado no art. 121 do Código Penal, porém, não é descartada a ortotanásia, ou seja, o não prolongamento desnecessário da vida, mesmo havendo técnicas médicas extraordinárias para que alguém não venha a óbito. Neste caso, em tese, é preferível deixar a pessoa a própria sorte que, de maneira artificial ao extremo, perpetuar uma vida que não irá adiante.

 

Observatório Eco: Em nossa lei de biossegurança o legislador brasileiro foi arrojado ou deixou de normatizar aspectos importantes da questão? Cite exemplos.

 

Edison Tetsuzo Namba: O legislador brasileiro foi arrojado, ao permitir a pesquisa com células-tronco embrionárias, com base em embriões excedentes das técnicas de reprodução assistida, inviáveis ou congelados há mais de três anos, antes e depois da vigência da lei, sempre com o consentimento dos “genitores”.

 

Ele poderia deixar mais clara a permissibilidade, ou não, da clonagem humana terapêutica, técnica mais apropriada para que não haja rejeição num possível transplante de órgãos.

 

Observatório Eco: Ambientalistas afirmam que em questões dos transgênicos o governo privilegia a pesquisa e modificação dos alimentos em detrimento da segurança alimentar, o Brasil, inclusive é o segundo país que mais manipula os transgênicos, de que forma o senhora analisa a situação?

 

Edison Tetsuzo Namba: A ingestão de alimentos transgênicos, se não estou enganado, contou com uma repulsa inicial. Todos ficavam imaginando na impossibilidade de se aceitar a prática em virtude de não se saber os efeitos desse consumo.

 

O Brasil é um país em desenvolvimento, deve sanar vários problemas de ordem econômica, social e estrutural. Se não ocorrer a imposição da alimentação transgênica, se se deixar o brasileiro optar por aqueles que são naturais e os transgênicos, com todos os rigores necessários para a experimentação de suas conseqüências para o organismo, não vejo problema em dinamizar a prática.

 

Observatório Eco: O STF (Supremo Tribunal Federal) foi bastante progressista ao permitir as pesquisas com células-tronco? Por quê?

 

Edison Tetsuzo Namba: O Excelso Supremo Tribunal Federal, com o voto condutor do Ministro Ayres Brito, foi progressista ao permitir as pesquisas com células-tronco embrionárias, tal como disciplinado no art. 5º da Lei nº 11.105/2005, declarando o dispositivo legal constitucional, porque adotou uma corrente mais liberal, deixando de lado a discussão do início da vida, indefinível, segundo alguns estudiosos, possibilitando, num futuro que espero próximo, sanar males, hoje, incuráveis, tais como diabetes, câncer, Mal de Parkinson e Alzheimer.

 

Observatório Eco: A clonagem terapêutica se tornará uma tarefa científica corriqueira? De que forma são normatizadas essas condutas aqui?

 

Edison Tetsuzo Namba:  No futuro, após várias pesquisas, dentro dos parâmetros éticos e experimentais seguros, a clonagem terapêutica pode se tornar uma técnica corriqueira. Falta muito ainda, entretanto, a aprovação da Lei de Biossegurança e a permissão de se efetivar o art. 5º da referida lei são passos relevantes para esse desiderato, aliás, mais conveniente sob o ponto de vista custo e benefício, para os liberais.

Aqui existe dúvida normativa a ser dirimida. Muitos entendem que a clonagem humana terapêutica está relegada do ordenamento pátrio, em razão da redação do art. 6º, inciso IV, da Lei nº 11.105/2005, para outros, não, realizando-se uma exegese sistemática e teleológica.

 

Observatório Eco: Em seu livro, quando o senhor aborda a clonagem humana reprodutiva, cita que embora ela não seja permitida, há a questão filosófica do homem querer ser eterno, o senhor acredita que no futuro, a criação de clones humanos se torne uma realidade?

 

Edison Tetsuzo Namba: No futuro, acho que a criação de clones humanos pode se tornar uma realidade, pois a ambição de se perpetuar é muito grande, faz parte da natureza do ser humano imaginar ser imortal. Entretanto, espero que não ocorra, pois, se isso se concretizar, não teremos mais uma sociedade, ou seja, um conjunto de pessoas que querem conviver e buscar objetivos comuns, nada obstante, a prevalência do egoísmo e do narcisismo.

 

Observatório Eco: A pesquisa de medicamentos em seres humanos é permitida no Brasil, e essas condutas devem respeitar apenas a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, isso não deveria ser tratado por uma lei federal?

 

Edison Tetsuzo Namba: Sim, isso deveria ser tratado numa lei federal, para se ter validade e eficácia para todos, não apenas no âmbito administrativo. O ser humano não é instrumento para alguma finalidade, é fim, conforme assinalou Kant, no século XVIII, deve ser respeitado e preservado de qualquer exploração. A experimentação de medicamentos deve seguir os trâmites rigorosos da “experimentação com seres humanos”, com disposições legais específicas para a higidez da saúde.

 

Observatório Eco: Ao abordar a questão da eutanásia, o senhor cita também a mistanásia, o senhor poderia explicar essa situação e dar exemplos? É certo afirmar que os governos ao não darem condições de saneamento básico para a população, que convive cotidianamente com esse problema, se enquadraria numa situação de mistanásia?

 

Edison Tetsuzo Namba: Mistanásia, ou eutanásia social, é a morte miserável, fora e antes do seu tempo. Um exemplo seria a situação daqueles que conseguem ser admitidos como pacientes, em hospitais, para, em seguida, se tornarem vítimas de erro médico, por imperícia, imprudência ou negligência; outra situação é daqueles médicos que violam os direitos humanos de alguém, em benefício próprio ou não, prejudicando direta ou indiretamente o doente ao ponto de menosprezar sua dignidade e provocar uma morte dolorosa e/ou precoce, tal como no caso de idosos internados em hospitais ou hospícios onde não se oferecem alimentação e acompanhamento adequados, provocando, assim, uma morte precoce, miserável e sem dignidade.

 

Na situação figurada, haveria mistanásia se o governo não desse as condições de saneamento básico para a população, fazendo com que convivesse com isso diariamente, acaso houvesse desvio de verbas para proveito pessoal ou para outras finalidades menos nobres.




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