Refugiados Ambientais

em 15 September, 2010


Artigo de Daniel Martini.

Haiti, janeiro de 2010. Um forte terremoto causou destruição e morte. O país ficou devastado. Rússia, agosto/setembro de 2010. Incêndios fora de controle. Prejuízos materiais, ambientais e humanos incontáveis.  Chernobil, 1986, e Bhopal, Índia, 1984, catástrofes tecnológicas jamais esquecidas. Paquistão, agosto de 2010. Milhares de pessoas desabrigadas e mortas por intensas chuvas. Folha de São Paulo, 29 de agosto de 2010: Ban Ki-Moon, Secretário-Geral da ONU, apela para a solidariedade internacional e pede à comunidade internacional que apóie o povo do Paquistão “em cada passo do longo e difícil caminho pela frente”. Ele testemunhou: “Do céu, vi milhares de hectares de terras – o pão da economia paquistanesa – engolidas pela crescente maré. No chão, conheci pessoas aterrorizadas, vivendo sob a ameaça de não poder alimentar seus filhos e protegê-los da próxima onda da crise: a disseminação da diarréia, hepatite, malária e – a mais mortal – cólera”.

Não importa a causa dos desastres ambientais, se natural ou decorrente da ação deletéria do homem. Esta discussão, ultrapassada, mas que alguns céticos ainda ousam travar, seja porque movidos por interesses comerciais, seja porque estão indiferentes aos indícios veementes da responsabilidade humana sobre os impactos ambientais, cada vez mais incontestáveis, se torna infértil diante de outro viés, pouco explorado até este momento: como amparar estes milhares, milhões de refugiados por causas ambientais? Em 2008 foram 36 milhões de “deslocados ambientais”. Estima-se que em 2050, serão 150 a 200 milhões deles. Alguns destes estão e estarão do Brasil: são os deslocados pelas tempestades de Santa Catarina, os deslocados pelo processo crescente de desertificação no Pampa gaúcho, os deslocados pela construção de barragens.

São Paulo, 1º de setembro de 2010. Sede da Procuradoria Regional da República. Um dos principais nomes do Direito Ambiental Mundial, Professor Michel Prieur, dá uma luz. A idéia surgiu em Limoges, França, no ano de 2005. Parecia pressentir o que vinha pela frente. Trata-se de uma convenção internacional para refugiados ambientais, ou, como prefere o Professor, “deslocados ambientais”. Disse ele que “refugiados” dá a idéia de deslocados por causas políticas (para os quais já há uma Convenção Internacional, celebrada em Genebra, 1951: Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados), que não é caso. Prefere, pois, a primeira terminologia, embora esta última talvez explique melhor.

Ele fala com conhecimento de causa. Participa da elaboração deste projeto de convenção, que visa não somente a acolher estes deslocados ambientais, mas a acolhê-los com dignidade (direito à vida e à sobrevida), atribuindo-lhes direitos enquanto deslocados ambientais, estabelecendo os procedimentos, enfim, regulando a solidariedade internacional. Com base no princípio da solidariedade internacional e no princípio consagrado pelo Direito Internacional Ambiental, o da responsabilidade comum, porém diferenciada, todo e cada país teria obrigações para com estes desafortunados, na medida de suas possibilidades. Não na medida de suas responsabilidades, pois poderia ser um impeditivo para os países do norte ratificarem o futuro tratado (pois sabem que são muito responsáveis), mas na medida em que devem solidariedade internacional. Diplomaticamente fica mais fácil.

Em São Paulo, na visita do Professor Michel Prieur, assinamos a Carta de São Paulo, exigindo que os candidatos ao Planalto comprometam-se a levar o Brasil a aderir à Convenção de Aahrus, que visa dar efetividade aos princípios da participação e informação nas causas ambientais, além do acesso ao Judiciário. Quem sabe os presidenciáveis não se comprometam, também, não só a aderir a esta Convenção que está sendo partejada, mas também a formular uma política nacional para os deslocados ambientais? Afinal, o Direito deve dar resposta para antecipar os problemas e sugerir aos poderes políticos a adoção dos meios para prevenir.

Daniel Martini, promotor de Justiça no Estado do Rio Grande do Sul. Master em Direito Ambiental Internacional pelo CNR (Consiglio Nazionalle Delle Ricerche) – Roma, Itália, e doutorando em Direito Ambiental pela Scuola Dottorale Tullio Ascarelli, Universidade de Roma 3 – Roma Itália.




1 Comentário

  1. Susana Camargo Vieira, 13 anos atrás

    Certamente um dos temas mais importantes hoje, e não paenas para o direito ambiental, mas para a paz mundial. Vanuatu (um micro-estado da Polinéisa, no qual, pasmem, lí recentemente que o brasil deve abrir Embaixada) está desaparecendo sob as águas, e tenta comprar terras para continuar existindo. Boa lembrança a de NOSSOS refugiados ambientais – todo dia temos notícias de novos problemas do tipo. Seo o Estado se quer Democrático de Direito, tem que implementar o princípio da solidariedade…e não apenas em nível nacional. Parabéns pelo artigo! Susana


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