E ainda somos racionais?

em 10 November, 2010


Artigo de José Renato Nalini.

Há questões humanas insolúveis – doença, envelhecimento, morte – mas há problemas cuja solução depende apenas da vontade. Um deles, apregoado como dos mais graves e permanentes, é o da fome. A cada dia, milhares de seres humanos morrem de inanição e de outras causas vinculadas à desnutrição. Ao mesmo tempo, cavalos de raça, gado P.O. (puro de origem), cães e gatos recebem ração balanceada, complemento vitamínico e treinamento fisioterápico. Chega-se a propiciar tratamento para anomalias psicológicas, tais como estresse, depressão e tendência ao suicídio.

Na África, milhares de crianças engolem terra para terem a impressão de um estômago provido. Nos Estados Unidos há dois canais de televisão que funcionam diuturnamente, com programação gastronômica. Sem falar nos inúmeros programas culinários que proliferam nos canais abertos.

Está-se, portanto, diante da realidade que segue: as profecias malthusianas não se confirmaram. Malthus previa que a humanidade cresceria geometricamente, enquanto que a produção de alimentos apenas aritmeticamente. Em determinada época, sobrariam bocas e faltaria alimento.

Isso não aconteceu. A tecnologia, o trabalho humano, o melhor aproveitamento das áreas agricultáveis, tudo permitiu produção suficiente de comida. O mundo inteiro poderia ser adequadamente nutrido e ainda sobraria alimentação. Mais da metade do planeta, contudo, passa fome. O que ocorre, então?

O problema é essencialmente ético. Há comida, há transporte, há condições logísticas para a distribuição. Falta é vergonha na cara daqueles que poderiam reverter esse quadro e o não fazem. E quem são esses? Com o risco de desagradar a todos, não considero herético dizer que somos todos nós.

Se é verdade que, pessoalmente, a poucos é conferida a capacidade de resolver o problema de todos, a muitos é cometida a possibilidade de alterar o microcosmo em que atua. Faz sentido investir em luxo, em sofisticação, em superfluidades, enquanto semelhantes padecem por não ter o essencial? É normal consigamos dormir e tenhamos a consciência anestesiada, perdendo a capacidade de indignação diante de tamanha irracionalidade? Ou estou exagerando na análise tão amarga?

José Renato Nalini, desembargador da Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo e autor de “Ética Ambiental”, editora Millennium.

(As opiniões dos artigos publicados no site Observatório Eco são de responsabilidade de seus autores.)




1 Comentário

  1. Eduardo Basílio, 13 anos atrás

    Sr. José Renato, parabéns!
    É absolutamente isso mesmo, porém poucos são tão certeiros e claros em sua colocações.
    Saudações,
    Eduardo Basílio.


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