Um olhar fraterno para a vida no Planeta

em 15 March, 2011


Artigo de Luciana Cordeiro de Souza.  

Em 09/03/11 foi aberta oficialmente a Campanha da Fraternidade de 2011 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, com o tema “Fraternidade e a Vida no Planeta”.

A missa da Quarta feira de cinzas além de iniciar o tempo da Quaresma, nos relembra que “somos pó e ao pó retornaremos”, e realmente o somos, pois fazemos parte do todo natureza, e após a passagem, nossa matéria volta ao solo. E exorta ainda para a conversão e a crença no Evangelho, e este converter-se diz respeito não somente ao voltar para Deus, mas a uma transformação como seres humanos em relação a tudo e todos a nossa volta. No Evangelho, Cristo nos ensinou a partilhar o pão, a sermos fraternos, a sermos irmãos, nos dando seu Pai como nosso Pai. E tudo isto se refere ao meio ambiente, como está nosso espírito fraternal, vemos o outro como nosso irmão e usamos os recursos naturais pensando em nossos irmãos ou quiçá em nossos filhos? Que vida temos hoje no planeta? E que vida queremos ter? Existirá vida para as futuras gerações? Ainda há tempo?!

Neste ano, este tema vem ao encontro de nossos anseios: irmãos em busca da proteção da vida na Terra. E assim somos! E seremos!

Importante destacar que a preocupação com ecologia é presença de longa data nas CF’s. Já em 1979 acontecia a primeira Campanha com viés ecológico, com o tema “Por um mundo mais humano” e o lema “Preserve o que é de todos”. Após, houve outras campanhas com a presença do tema ecológico, como “Fraternidade e Água” (2004) e “Fraternidade e Amazônia” (2007), por exemplo.

Não precisamos professar o mesmo credo, mas tão somente acreditarmos que como agentes multiplicadores poderemos contribuir para uma melhor qualidade de vida, assim estamos praticando a fé, a fé em Deus, a fé nos homens, a fé na vida!

O objetivo desta Campanha da Fraternidade segundo a CNBB[1] é “contribuir para a conscientização das comunidades cristãs e pessoas de boa vontade sobre a gravidade do aquecimento global e das mudanças climáticas, e motivá-las a participar dos debates e ações que visam enfrentar o problema e preservar as condições de vida no planeta”.

E o tema da Campanha da Fraternidade de 2001 tem como lema “A criação geme em dores de parto” (Rm 8, 22), qual o real significado que se pretendeu ao escolher esta frase? As dores do parto têm sido consideradas por estudiosos como uma das três maiores dores do ser humano, mas esta se encerra com a alegria da vida, e no que diz respeito ao meio ambiente, esta dor terrível estaria associada com a vida ou a morte? Reflitamos sobre isto!

No cenário nacional, muitas discussões ambientais encontram-se em pauta, como a alteração do Código Florestal a representar um verdadeiro retrocesso, atendendo somente a interesses econômicos e não socioambientais, como deveria ser; o descaso com o importante instrumento do licenciamento ambiental, simplificando o procedimento em determinadas atividades impactantes; a atuação desproporcional dos órgãos ambientais autuando pequenos transgressores e deixando impunes os grandes degradadores, verdadeiros criminosos ambientais que conjugam o verbo matar diária e impunemente, levando ao descrédito a legislação ambiental, entre outros tantos que merecem nosso olhar.

Além do objetivo geral, a Campanha da Fraternidade apresenta alguns objetivos específicos como viabilizar meios para formação da consciência ambiental; promover discussões sobre a problemática; mostrar a gravidade e a urgência dos problemas ambientais. Algumas estratégias também são adotadas como mobilizar pessoas, Igrejas e a sociedade para assumirem o protagonismo na construção de alternativas para a superação dos problemas socioambientais; denunciar situações e apontar responsabilidades no que diz respeito aos problemas ambientais decorrentes do aquecimento global.

E este tema me lembra um trabalho[2] que escrevi há algum tempo e que cabe perfeitamente nesta discussão, que fala sobre o olhar na paisagem como forma de conscientização, convidando-nos a tirar as vendas que mascaram nossa realidade ambiental.

É interessante observarmos que apenas notamos e cuidamos do que nossa visão descortina, podendo-se até afirmar, que na maioria das vezes, nossa visão é curta demais e, por outras, cega. Ao analisarmos os verbos ver e olhar, percebemos que seus significados são similares, ambos reportam a idéia de prestar atenção, de contemplar; enquanto que o verbo enxergar, refere-se tão somente ao notar; e por isso, talvez, o que tenhamos feito até agora tenha sido apenas enxergar, simplesmente notar o todo que nos envolve sem darmos a devida importância à imagem que captamos. Surgindo daí, o caos em que vivemos: caos social, político, econômico e ambiental.

Muitos de nós somos negligentes, egoístas ou quem sabe, alienados na realidade que nos cerca. Mas, neste trabalho, estamos falando sobre a paisagem que não vemos, e que por não vermos, muitas vezes a poluímos, contaminamos, destruímos. Esta paisagem é o meio no qual estamos inseridos, e quando nos reportamos ao Meio Ambiente, estamos a falar sobre a Vida. Sobre nosso cotidiano como ser humano, como cidadão, como partícipe do Estado e, não como mero espectador.

O planeta Terra, lar que nos foi dado para ser administrado e servir de moradia para todos os seus habitantes, pede socorro. Se olharmos ao redor, avistamos poluição, destruição, miséria, fome, doenças e morte.

Josué de Castro dizia que “O meio ambiente não é apenas o conjunto de elementos materiais que, interferindo continuamente uns nos outros, configuram os mosaicos das paisagens geográficas. O meio é algo mais do que isso. As formas das estruturas econômicas e das estruturas mentais dos grupos humanos que habitam os diferentes espaços geográficos também são partes integrantes dele. Desse ponto de vista o meio abrange aspectos biológicos, filosóficos, econômicos e culturais, todos combinados na mesma trama de uma dinâmica ecológica em transformação permanente.” [3]

E ao lançarmos nosso olhar sobre o meio ambiente, veremos que somos nós que produzimos o caos e a destruição que vemos, e num exercício rápido, vale lançar nosso olhar ao meio a nossa volta, se olharmos para os recursos hídricos, veremos que a água nossa de cada dia, mais rara e escassa vem sendo poluída e contaminada, conspurcada e dessacralizada da superfície ao subterrâneo; nosso solo, fonte de alimentos, tem sido corpo receptor de nossos detritos, poluído e contaminado perde seu potencial produtivo, e sem vegetação, desertifica-se; ao olhar para o ar atmosférico, invisível que é, vemos a poluição de forma latente, deixando-o cinza e sem vida; a fauna rica e exuberante vem sendo dizimada pelas práticas econômicas que afetam os ecossistemas a ponto de destruir habitats e gerar a morte;  e se nosso olhar se voltar a flora veremos o homem desmatando suas florestas, ocupando os espaços territorialmente protegidos como as áreas de preservação permanente e sofrendo as consequências deletérias deste desrespeito a natureza e as leis existentes; e ainda neste exercício, convido a um olhar para a forma de nosso consumo, quer pela obsolescência planejada ou percebida, gera lixo e degrada o meio em que vivemos, além de alargar as diferenças sociais e econômicas na sociedade; e por fim, nosso olhar se volta para a poluição em todas as suas formas, desde a visual, sonora, intelectual, tecnológica etc, capaz de destruir a vida na Terra. Que planeta queremos?

A poluição é uma doença universal que interessa a toda humanidade, mas existem tipos de poluição diferentes no mundo inteiro. Os países ricos conhecem a poluição direta, física, material, a do ambiente natural. Os países subdesenvolvidos são presas da fome, da miséria, das doenças de massa, do analfabetismo. O Homem do Terceiro Mundo conhece essa forma de poluição chamada “subdesenvolvimento”. E devo dizer que esta é a forma mais grave, mais terrível de todas, afirmava Castro.[4]

Complementando, temos que a falta desta consciência gera o dano ambiental em todas as formas, inclusive impedindo o combate à fome. O relatório do programa Avaliação Ecossistêmica do Milênio alerta que, se não houver reversão nos danos ambientais, será impossível erradicar a pobreza e a fome. A degradação do meio-ambiente constitui um sério obstáculo ao cumprimento das metas de redução da pobreza e da fome estabelecidas pelas Metas de Desenvolvimento do Milênio da ONU. Apesar das previsões pessimistas, o estudo diz que é possível reverter a situação, ainda que isso ‘vai exigir mudanças radicais na forma como se lida com a natureza’.[5]

Estas linhas, embora de forma sucinta, têm a ambição de descortinar esse cenário Ambiental no qual estamos inseridos, pois a poluição do dia a dia, por vezes nos impede de exercitar este olhar, e daí fazer com que possamos ver e olhar, e não apenas enxergar nossa realidade. Aqui entra a Fraternidade!

Portanto, urge que o nosso olhar esteja voltado ao todo que nos cerca. O meio ambiente e o homem interagem-se a fim de se complementarem. A proposta é abrir os olhos, olhar e ver a paisagem, buscar conhecer e entender o porquê do desequilíbrio no cenário ambiental que vivemos, bem como descobrirmos juntos de que forma faremos a diferença. Fraternidade e a Vida no Planeta, eis o desafio!

 Luciana Cordeiro de Souza, Doutora e Mestre em Direito pela PUCSP, Advogada e Consultora Ambiental, Coordenadora Regional São Paulo da APRODAB, Professora de Direito Ambiental e Coordenadora da de Pós Graduação em Direito Ambiental no UNIANCHIETA.

 


[1] Disponível em http://cnbb.org.br, acesso em 09/03/11.

[2] Artigo publicado  na Revista da Faculdade de Direito Padre Anchieta, Jundiaí, São Paulo, ano VII, n.11, maio/2006, p. 87-102.

[3] Subdesenvolvimento: causa primeira de poluição, Trabalho apresentado no “Colóquio sobre o Meio”, em junho de 1972, em Estocolmo. Publicado na revista O Correio da UNESCO, ano I, nº 3, março de 1973. Incluído no livro Fome, Um Tema Proibido. Última Edição civilização Brasileira 2003. Organizadora: Anna Maria de Castro.

[4] Josué de Castro, Entrevista à Terre Entière, Numero Double, sept. 1972, feita por Jean Prédine e Roger Wellhoff, In Site: www.josuedecastro.com.br, acessado em 28/04/05.

[5] Site: www.terra.com.br, O Estado da Terra, acessado em 31/03/05.




5 Comentarios

  1. Sandra, 13 anos atrás

    Excelente texto. Parabens !

  2. M. Cecília Ribeiro, 13 anos atrás

    Parabéns, Luciana! Como sempre, clara, didática e sensível à causa ambiental.

  3. Sandra Beltrão, 13 anos atrás

    Parabéns

    Sua sensibilidade torna claro o seu olhar sobre as necessidades do planeta.

    Deus lhe abençõe e preserve seu olhar e perseverança educacional.

    Educar é difícil, mas gratificante, por isso agradeço sua dedicação, pois são pessoas como você que reanima outras para continuar.

  4. J.Augusto, 13 anos atrás

    Se preocupar com a vida no planeta é preocupar-se com a nossa própria vida.
    Parabéns e obrigado.

  5. Milena, 12 anos atrás

    Aii me desculpe li denovo e intendi melhor
    adoreii


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